O EXÉRCITO
Vestiam-se de azul-crepúsculo, fatos longos como a Era
de onde tinham vindo. Mergulharam no mar, confundiram-se com ele e emergiram
numa nave que reflectia as estrelas. Acompanharam os homens e mulheres que
tinham fugido das águas que se tinham desprendido do céu quando desembarcaram
na praia e que, atordoados, adormeceram entre a espuma e a areia.
Confundiram-se com eles. Só se distinguiam pelo modo como andavam. Passos
fortes, rápidos e bem definidos. Como os de um exército. E ensinaram-nos a
levantarem-se, devagar, ao mesmo ritmo do sol que nascia. E a equilibrarem-se
nos primeiros passos como se tivessem nascido há pouco tempo. E
encaminharam-nos para a beleza das montanhas para que pudessem ver o mar a
partir dos seus cumes e a transformar os pesadelos em sonhos suaves, para que
pudessem intuir os degraus invisíveis que existem na linha do horizonte e que
só se podem ver à medida que se sobe pela montanha. E a ter esperança. E a
olharem para os corações uns dos outros como se fossem pequenos sóis, ora
encobertos, ora nascentes ou poentes, ou como as fases de uma flor,
desabrochando, ainda fechada ou aberta em raios múltiplos e querendo tocar todo
o universo. Formavam um exército invisível que permanecia sempre eterno,
frequentando as Eras e prescindindo de subir as escadas que se elevavam a
partir da linha do horizonte só para acompanharem os homens nas suas grutas,
nos seus caminhos de pedra, que construíam, a pouco e pouco, ao longo das
montanhas de pedras rudes que subiam devagar, nas aldeias com pomares e flores
e acompanharam-nos no perfume dos canteiros e do mar e da primeira rosa que
viram nascer, subitamente, sem que ninguém a plantasse. Essa primeira rosa era
o sinal do equilíbrio entre os deuses e os homens. Entre o exército invisível
divino e o visível humano. O primeiro sinal de liberdade, porque a rosa divina
tinha nascido espontaneamente, sem ser plantada, sem ser desejada, sem ser
imaginada. Era a vontade da própria harmonia em existir, com as suas pétalas
nascidas em espiral, como a História, e passagem de um ciclo a outro,
ascendente e horizontal em simultâneo. Um sinal da aprovação dos deuses e
desses homens e mulheres numa terra que o vento secava e que voltava a lançar
os seus cristais de sal para o mar. Uma terra que apenas era verdadeiramente
fértil com essa rosa. O caminho de espinhos até à sua coroa, era o caminho que
tinham subido pela montanha, uns, deuses disfarçados de homens, com passos firmes,
outros, nascidos das sementes, ausentes de pensamentos que voassem além da
terra, mas unidos pelas palavras de fogo, umas vindas do coração, outras vindas
de uma verdade que era como uma lança atravessando as Eras, inaugurando a
História verdadeira que é sempre interior, invisível aos homens e vista apenas
por entre cortinas de luz por esses deuses disfarçados de homens. Na coroa da
rosa, com pétalas dispostas em espiral, uma escada perfumada, um perfume que
embala, no cimo da montanha. A linha horizonte, no mar, quando descia,
levemente, era um degrau que desaparecia e outro que surgia, numa nova linha. A
roda da arte move-se como a pedra de um túmulo de alguém que se oculta na morte
no extremo ocidente da Europa.
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