MERCÚRIO
Mercúrio agita os nossos dedos, acompanha o voo das
palavras de fogo e torna possível o improviso com as suas asas capazes de
transcender qualquer espaço que não seja verdadeiro. Quando não há tempo, há
improviso aqui e, com as flores variadas – verdadeiros frutos ascendentes – não
há modelos de vida, nem vidas exemplares. Os sonhos, depois de tidos, não se
desfazem, ficam suspensos como uma rosa densa no perfume e nas pétalas, entre o
sonho e a realidade, tornando-os irrelevantes e apenas ela subsiste para além
deles. O improviso transcende o tempo, a memória e o sonho. E todo o improviso,
mesmo que não tenha a forma de uma flor é, como ela, espiralado, nos espinhos
mais assertivos e nas pétalas mais suaves de perfume difuso. Ver uma flor, não
é ver um ser vivo ou já colhido a caminho da morte. É limitarmo-nos a sê-la
como a foram aqueles homens de mãos calejadas pelas pedras com que construíam
muros e caminhos e que, por isso, ouviram, pela primeira vez, as vozes dos
deuses que, até aí, só imaginavam. E ficaram suspensos num improviso entre a
vida e o sonho. Os deuses sempre falaram pelas flores, muito mais do que pela
imaginação, e elas surgiram em espadas e capacetes, em taças e altares, acompanhando
a vida, a guerra, o amor e a morte, num improviso profundo para além de toda a
aparente realidade, ascendendo ao vale celeste como estrelas num céu nocturno
luminoso. Apenas a sombra evoca as trevas como um sonho louco perdido na
realidade. Improvisamos com as asas concedidas por Mercúrio, pontífex trazendo
flores envolvidas por serpentes enfeitiçadas e incapazes de enfeitiçar, morte e
vida vencidas pelas palavras dos deuses escutadas. O improviso é o rito em
estado puro. A Providência, o improviso dos deuses, o Destino, o improviso dos
homens.
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