domingo, 14 de maio de 2023

O JARDIM DOS SÍMBOLOS XXXI

 


 

MERCÚRIO

 

Mercúrio agita os nossos dedos, acompanha o voo das palavras de fogo e torna possível o improviso com as suas asas capazes de transcender qualquer espaço que não seja verdadeiro. Quando não há tempo, há improviso aqui e, com as flores variadas – verdadeiros frutos ascendentes – não há modelos de vida, nem vidas exemplares. Os sonhos, depois de tidos, não se desfazem, ficam suspensos como uma rosa densa no perfume e nas pétalas, entre o sonho e a realidade, tornando-os irrelevantes e apenas ela subsiste para além deles. O improviso transcende o tempo, a memória e o sonho. E todo o improviso, mesmo que não tenha a forma de uma flor é, como ela, espiralado, nos espinhos mais assertivos e nas pétalas mais suaves de perfume difuso. Ver uma flor, não é ver um ser vivo ou já colhido a caminho da morte. É limitarmo-nos a sê-la como a foram aqueles homens de mãos calejadas pelas pedras com que construíam muros e caminhos e que, por isso, ouviram, pela primeira vez, as vozes dos deuses que, até aí, só imaginavam. E ficaram suspensos num improviso entre a vida e o sonho. Os deuses sempre falaram pelas flores, muito mais do que pela imaginação, e elas surgiram em espadas e capacetes, em taças e altares, acompanhando a vida, a guerra, o amor e a morte, num improviso profundo para além de toda a aparente realidade, ascendendo ao vale celeste como estrelas num céu nocturno luminoso. Apenas a sombra evoca as trevas como um sonho louco perdido na realidade. Improvisamos com as asas concedidas por Mercúrio, pontífex trazendo flores envolvidas por serpentes enfeitiçadas e incapazes de enfeitiçar, morte e vida vencidas pelas palavras dos deuses escutadas. O improviso é o rito em estado puro. A Providência, o improviso dos deuses, o Destino, o improviso dos homens. 


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