domingo, 20 de abril de 2014

Sintra




 
Neste tempo concentrado
Nesta mutação incansável
Neste vento sem direcção
Nesta veloz metamorfose dos olhares
Nestes conturbados paradoxos
Múltiplos e sobrepostos
Nestes humores endiabrados
Nestes sonhos depressa nascidos e adormecidos
Neste remoinho de bugigangas mentais
Nestes confusos corações irreais
Nestes desejos histéricos mas intemporais
Nestes volte-faces dos sistemas
E nas quedas de todos os esquemas
Não te reconheço jamais
Nestes minutos atravessados
Por espíritos irreais
Não te reconheço jamais
Nos gestos loucos sabendo a pouco
Não te reconheço debaixo das árvores
Sem estações, nem padrões
Não sei que és na multifaces de vidas surreais
Não frutificas sequer meus passos siderais
Não te reconheço nas turbas difusas
Feitas de nuvens azuis dispensando o céu
Mas sei quem és na esfera
Da obra-prima divina
Nas vertentes da serra
Em brumas escondida
Mas sem quem és
Nesse terreno que não se instala
Nas curvas da estrada mais para além
No tempo do sol e lua suspensos
Ostentando o portal nunca cerrado
Onde para lá de toda a mistura
E de toda a decadente desventura
Encerrada no tempo que não perdura
Encerrada nas incertezas fortes das certezas frágeis
Nos dentes de leão voando para longe
A um suspiro acontecido
Como quem lança o lamento e para longe o tempo
para sem ele te reconhecer
No mar pleno do momento
Sem seres, asas ou infernos
Mas na raiz do próprio vento de devir
Só ai, para lá desse portal
Na serra verde de pedras instáveis
Nas formas e equilíbrios
Na verdade de todas as demandas
No sol quente de Primavera
Dispensado vasos e amargura
E brilhando clara por ondas luminosa
Na clareira quando dou a volta ao tempo
E te vejo enfim por mim adentro.


(Cynthia Guimarães Taveira)


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