Luas? Somos todos nós. Depois, há as luas cheias que nascem
em Sintra. Sintra que antes de ser lua era sol. As luas cheias que nascem em
Sintra são proféticas.Têm uma memória mais viva do sol. Só porque nasceram lá.
De nada serve a profecia face à vontade dos homens... todos os avisos
proféticos são uma abstracção... uma tentativa de evitar o erro. Mas errar é
humano. E somos todos luas. O luar é uma memória do sol. A residência do sol é
o silêncio. Resta a Saudade. Só. As saudades são humanamente resolúveis. A Saudade, não, obriga à aproximação do céu e da terra. E quando isso se dá, de nada serve a profecia... face à vontade dos homens. Somos todos humanos. Somos luas. Os astros circulam por elipses, várias: a grande elipse e depois as outras invisíveis, com altos e baixos (onde reside a alegria). Nessas elipses, estão mais ou menos próximos do centro. Quando estão mais próximos, apaga-se o mundo. Quando mais distantes, ele se reacende. Sair do mundo e voltar é uma condição. Uma condição solar. Por vezes, apressadamente interpretada, quando devia ser cuidadosamente interpretada. Porque a cada entrada e saída nasce uma consciência e cada consciência nascida é uma memória desperta. Uma memória que sempre esteve tão perto e nunca, até aí, havia sido percepcionada. O passo que vai da transformação à transmutação passa por essa consciência. Até que se torne uma trans-consciência ou uma consciência transcendente. Luas? Somos todos. Uma memória que, por vezes, nem a noção do que é a memória tem. Por isso, nem a noção de nós temos... por isso Fernando Pessoa, na Mensagem, escrevia:
"Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
A Saudade é um choro. O choro mais saudável que há. Igualzinho ao de um recém-nascido acabado de chegar. Quem chora o choro da saudade, respirou um pouco de transcendência residente numa nova consciência. O povo português inventou a palavra Saudade para melhor tentar definir este momento com sentido. É nesta Hora suspensa, deixada em testamento, que o poeta afirmou toda a força da poesia e da palavra quando ela é destino... o mesmo intuiu Almada Negreiros quando afirmava ser toda a Arte uma estratégia para a Poesia. A Poesia é memória acesa e por isso, sem tempo. Dizia ter Fernando Pessoa saudades dos seus futuros leitores... por algumas razões do seu próprio contexto, talvez, mas talvez mais ainda por saber que para o ler havia que ser poeta... saudades dos seus futuros poetas... Sebastiões sem fim... verdadeiros guerreiros transmutadores. Loucos incompletos. Luas? Somos todos nós, mas quando somos poetas, somos luas cheias... cuidar é gostar. Criar é amar. Quem ama, naturalmente, cuida... (mesmo a medo como António Ferreira) e um pouco mais... a tal condição solar que nos vai salvando. A salvação, aparece-nos sempre como algo repentino... como uma espécie de Livramento (a quantidade de terras com este nome, Livramento, em Portugal...). Mas talvez ela seja feita lentamente. Como um choro. O da Saudade. Aos apressados nunca foi dado o céu...
(Cynthia Guimarães Taveira)