A geometria fractal
ensina-nos a transformação. Ensina-nos como ela é feita, gradualmente. O
grande assemelha-se ao pequeno. No pequeno, (que compõe o grande), por vezes,
dá-se uma pequena alteração. É o suficiente para o desenvolvimento ficar
diferente e existir a possibilidade de todo o padrão se ir transformando em
função dessa pequena alteração. Quando isso acontece, o grande fica alterado,
também. Há certas músicas celtas que funcionam assim. Quando damos por ela já a
música está toda alterada. Isto aplicado em várias áreas é curioso. Se dermos
fatias do mesmo bolo a várias pessoas partimos do princípio que cada fatia bolo
tem exactamente a mesma quantidade e proporção dos mesmos ingredientes. Na
verdade, cada fatia de bolo é uma parte de um todo, igual a si própria e não igual à fatia do
vizinho do lado. A partir daí, todos os participantes da festa pensam que
comeram o mesmo bolo. Na verdade, comeram do mesmo bolo, não o mesmo bolo. Cada um vai ter uma digestão diferente em
função dos ingredientes que absorveu (isto para além das diferenças naturais
entre pessoas). Muitos dos mal entendidos entre os seres humanos partem daqui.
Daí que se possam observar os mesmo erros e as mesmas virtudes repetidas ad
eternum e daí que tenhamos, por vezes, uma sensação de claustrofobia. Vivemos
numa sociedade de fragmentos, de segmentos. Muitas vezes, até, aquilo que nos
parece radicalmente diferente, é no fundo, muito semelhante, porque obedeceu à
geometria fractal. E aquilo que nos parece, radicalmente muito semelhante, é
profundamente diverso na sua origem. Estou em crer que há quem já tenha dado
por estes mecanismo geométricos, e sei que a informação hoje se confunde com o
poder. No entanto, como o mundo é um bolo complexo, e não há só este mundo, a
grande tentação de quem possui a informação material das coisas e o mecanismo
segundo o qual a matéria se comporta, é o de pensar em termos de poder, como se
existisse uma tentação profunda do ateísmo ou da ausência de sagrado na qual,
nem sequer o fogo aos deuses é roubado por não existirem deuses... isso é o que
produz a ausência de transgressão, ou seja, a possibilidade de transformação.
No outro extremo há outro tipo de situações que promovem, até sem querer, essa
ausência: o tomar uma não transgressão por uma transgressão, só porque,
aparentemente, todos os dados fornecidos pela “imagem” conduzem a uma falsa
noção de transgressão. A isso chama-se manipulação e, como sabemos, a imagem é
a marca das grandes ditaduras. Entre a imagem e a sua semântica, na verdade, às
vezes ergue-se um vale de sombras a atravessar. E digo, ergue-se, mesmo sabendo
que um vale não se ergue. Mas se o virmos, assim, erguido, estamos ao menos,
despertos e talvez aptos a perceber a diferença entre transformação e transmutação.
Cynthia Guimarães Taveira
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