sexta-feira, 22 de maio de 2015

Para quê?




Ver-te assim, quase como se não quisesse ver-te assim, impressiona-me o teu choro final. Não viste e tudo viste. Não sentiste e tudo sentiste. Portugal não morre porque reencarna, neste e naquele, e com este e aquele vai dizendo, ou com todos os outros que se lhe aproximam vão dizendo. Corpo sem alma nem corpo é... pó estrelar e pouco mais... toda a substância se une em ti. Único em voz e em esperança. Que posso dizer ou fazer sendo o país assim? Irregular e indeciso, branca de neve adormecida em castelo e caixão, qual deles de cristal, qual deles prisão? Consegui um monte que é um vale e um vale que é um monte. Que mais posso fazer desta torre que de tudo me cerca? Todos são parte de um poema já escrito. Reconheço todos os passos e todos eles em mim. Quase em tédio me envolvo se os leio dentro, fora de mim e ainda em outros traços... Deste-me uma folha branca, para que acabasse o poema que iniciaste... e agora que passos darei, que deuses evocarei, que sorte ou perdição esperam tudo o quanto ainda não sei? Não, nada se repete e, no entanto, tudo surge igualmente mas transformado e, transformado, pode ser diferente, e transformado pode ser concreto. Sei que queres o milagre de um poema acabado... sei que queres esse milagre, da luz, das estrelas e de outras coisas que, ao contrário,  não vi... mas se não vi? Sou a memória viva dos poetas e nem escrever os sei, apenas vivê-los por onde ninguém os vive.  Sou apenas a sua memória dos seus passos... e que são passos. Para que serve uma memória? Para que serve para que sirva?
 
(Cynthia Guimarães Taveira)

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