Antes tivesse sido uma visão,
uma miragem,
uma alternativa à realidade.
Antes tivesse sido uma revelação,
mas nada fui,
nada, como a aparente vacuidade
transparecendo de um lago parado
Movia-me no silêncio,
movia-me no silêncio,
que nunca ouviste.
Movia-me e via-te,
espreitando,
o insuspeitado por ti.
Movia-me no silêncio,
sem esperar sequer,
via-te no pormenor,
acontecendo nas tuas células...
de quem viva em ti, para além de ti.
Via a involuntária mão estendia,
o abismal raciocínio toldando-te,
o infernal monstro cercando-te.
Nada poderei dizer,
porque foi no
silêncio,
do qual nunca soubeste,
nem nunca entraste,
nem pressentiste,
nem te arrepiou,
que te vi...
E nele não corre nem uma palavra,
apenas a brisa do sentido de tudo isto,
apenas o encontro de tudo isto,
apenas o inacreditável segredo
que troco com Deus e ele comigo...
Antes fosses a miragem,
antes fosses a ilusão,
antes fosses a revelação súbita,
da graça da flor numa Primavera qualquer...
mas nada disso és
neste silêncio que te acolhe,
nada de irreal transportas,
nada de insubstancial,
nada de visível,
não tens nada do mundo,
porque não és do mundo,
és desse segredo dito ao ouvido,
és dessa tão próxima alma,
que colhes nas brumas ocultas
toldando a tua própria alma...
És o que entende,
sem saberes que és entendido,
és um secreto compenetramento,
além da oração,
és a recolha como gesto,
e nada mais podes pressentir,
se nada dessa brisa apalavrada,
no espanto daquele outro vivente em ti ,
sabes ou sequer intuis,
e não conheces,
apenas o representas,
não crendo nele,
e sendo ele...
(és o que já lá estando,
não está lá ainda,
e que, no meu silêncio
sei,
não estar já lá...)
Entre nós,
um abismo feito de ascensão.
Entre nós,
cada movimento
é uma dança estrelar.
Entre nós,
o espaço move-se na diferença
entre um passo de magia e a magia.
És a margem
do rio que sou,
pensando seres o rio que sou...
escapo-te por entre os dedos,
quando, qual narciso,
te vês transparente.
Viajo-te como um rio escorrendo
por ti, margem eterna,
como a própria vida,
sempre paralelo ao mar
e só lá, depois dessa duna
em pensamento atravessada
e nunca encontrada,
no mar feito gota a gota
a cada toque da tua mão,
onde não há navios
por não haver ilusões,
onde as tempestades,
são apenas o suporte
das nossas lágrimas,
e o pôr-do-sol,
é onde a nossa luz se deita,
e as aves são a paz que lhes demos,
só lá ,onde nuvens imensas,
são o passo de magia para a magia,
vivente para além delas,
só lá, onde não há manto, nem espada
em guarda, te aguardo, guardando-te.
(Cynthia Guimarães Taveira)
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