quarta-feira, 10 de junho de 2020
Perante o caos
De vez em quando, muito de vez em quando, tenho uma ligeira preocupação com o facto de não intervir. Não se trata de remorso, é mesmo uma preocupação com o meu silêncio e isto deve-se a uma característica que consiste no silêncio pela inutilidade da palavra. Hoje à noite tive um sonho muito comprido que nunca mais acabava. Variavam as personagens ao longo do sonho e este acabava num verdadeiro horror. Acordei estremunhada, mas, no meu percurso até à casa de banho, não só acordei, como imediatamente interpretei o sonho. O denominador comum das três situações crescentemente horríveis era o mesmo. Tudo, à minha volta estava mal. Na primeira parte uma série de pessoas teciam considerações sobre tudo o que se possa imaginar, inclusive sobre mim. Eram muitas e variadas e todas elas loucas ou assim me pareceram no sonho. Na segunda parte, sonhei com gatos mafiosos. Nunca pensei que os gatos pudessem ser mafiosos, mas podem. Eram vários e dois deles conhecia bem porque tinham sido meus. Já morreram. No sonho apareciam-me maltratados mas muito vivos, como se pertencessem a um gang e estavam a meter-se com uma gata minha que tinha fugido. Consegui salvá-la. O pormenor das vestes de um deles deu-me a indicação de que se tratavam de seres humanos, aliás, todas as suas atitudes eram de seres humanos. E, por fim, a terceira parte, um horror de tal forma grande, que nem o descrevo. Posso apenas dizer que se tratavam de pessoas meias mortas. Acordei incomodada, mas, mesmo no sonho, não tinha nada a ver com aquilo. Era apenas uma testemunha do que se passava. Rapidamente percebi que o sonho indicava que não me devia preocupar com o meu silêncio porque tudo à minha volta era caótico. Se falasse, entrava no caos como participante. Nada havia a dizer no sonho, como nada há a dizer na chamada "vida real". Perante o caos, reconhecer que estamos perante o caos, já é um avanço. E o mundo está completamente caótico. À mínima palavra entramos nele. Com sonhos como este, percebemos que não estamos nele. Que não somos assim. A justificação para a nossa vida pode até mesmo residir aí. Não ser assim, não ter nada a ver com isto. Caminhar, serenamente pelo corredor, acordar do pesadelo e compreender que o mundo está caótico mas nós não porque temos sonhos destes. Podemos generalizar o mundo e podemos generalizar-nos a nós próprios. Podemos pensar e sentir que saímos daqui. Que avançamos para fora do caos. Eu faço isso. Sem esforço. Não tenho nada a dizer perante o caos a não ser a palavra caos.
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