sexta-feira, 2 de abril de 2021

Boa Páscoa


Sempre me deram uma péssima sensação as fórmulas aplicadas à vida. A psicologia tentou e tenta sistematizar o comportamento humano mesmo quando, nas entrelinhas, vai dizendo a frase recorrente que cada caso é um caso. O pensamento dito ciêntifico apresenta-se sob a forma de fórmula, mas ele é muito mais do que isso pois traz sempre às costas uma metodologia, uma forma de abordar o mundo e as coisas do mundo. Daí que sempre que se tenta resolver a vida e as pessoas por via de uma fórmula aquilo que acontece verdadeiramente é a adopção de uma só perspectiva que, mesmo de maneira inconsciente, contém em si a observação, a experimentação, a análise dos dados e a conclusão, como se não existissem outras formas de olhar o mundo...isto generalizou-se, tanto na clínica, como no laboratório, como nas conversas de café ou de sofá entre amigos. Somos todos cientistas de bata branca quando dizemos coisas como : "Pois, a criança sente um grande afecto por animais. É uma transferência porque falta algo na relação com os pais...". Lembro-me deste exemplo porque muito cedo vi que não tinha pés nem cabeça. Ainda em criança, uma vizinha minha, e muito minha amiga, gostava imensamente de animais. Ao saber, a minha mãe, com formação científica, começou a falar da transferência de afectos e por aí fora... o problema é que essa minha amiga era muito amada por todos e nunca lhe vi qualquer problema afectivo. Provavelmente tinha tanto que o espalhava também pelos animais. Pela vida fora, fartei-me de assistir a formas de pensamento científico como justificação para comportamentos, por vezes, o mais normais possíveis. Assim, a rebeldia era um desajuste desequilibrado com a sociedade ou com uma figura familiar; a melancolia, idem; a cólera, algo com pendor sexual, carências, provavelmente; a insegurança, idem; a obsessão vinha sempre a par com a compulsão e, logo com a pulsão. O problema que sempre achei neste tipo de observações foi o facto de terem a outra face da moeda e ela é a crença, cega naquilo que cada um pensa que os outros deveriam ser e como se deveriam comportar. Há por isso, uma fórmula dissimulada à espera de ser aplicada. Dantes chamava-se a isso, os limites, aqueles considerados sempre colectivamente para que a sociedade pudesse funcionar, ora esse "colectivo", esse  pré-prefeccionismo colectivo passou para a individualidade e passou também a conter uma qualquer "noção" de psicologia por detrás, profissional ou amadora, na verdade, pouco interessa...cada pessoa passou a ser a sociedade inteira e nem por isso ficou mais responsável pela sociedade que a rodeia. Já todos fomos psicólogos dos outros, já todos tentámos ser psicólogos de nós próprios e, nem por isso o ser humano se encontra muito melhor ou muito diferente. Parece que as fórmulas cientificamente comprovadas não se adequam à comprovada complexidade humana o que me leva a duvidar da sua aplicação e da tentativa que são para explicar as coisas definitivamente. Para além disso, possuem o factor "ditatorial" que a própria ciência, com os seus métodos, considerados infalíveis, contém. Na verdade, a figura daquele ou daquilo que manda é um uma necessidade comummente aceite. É a própria mentalidade ditatorial que cria a ditadura. Aquilo ou aquele que manda veio a substituir "aquilo que nos transcende", como se fosse a mesmíssima coisa. Mas não é. Enquanto tivermos esta mentalidade científica a espreitar e/ou a guiar todos os nossos passos nunca nos libertaremos do jugo das ditaduras, apenas porque não queremos ou antes, no fundo, porque não sabemos pois não conhecemos mais nada. A ciência trabalha com dados visíveis, palpáveis e concretos. A psicologia é sua herdeira no campo do chamado "inconsciente" ou "sub-consciente", ao passo que o transcendente é "herdeiro" do divino, ou seja, passivel de ser conhecido, passível de intervir ou não, passivel de "mandar ou não", tendo um raio e acção ou não acção muito mais vasto em variados níveis em simultâneo só que, como nos é transcendente, preferirmos, nestes dias da ciência, neste terceiro e actualíssimo postulado de Comte, ser serviçais perante um poder crescente da ciência que vai absorvendo a nossa mentalidade até nos consideremos apenas "coisas", produtos e depósitos de fórmulas... que invadem as conversas e reduzem as várias perspectivas a uma só. Uma verdadeira ditadura, desejada, amada, reclamada e produzida pela humanidade e isto porque virou costas ao transcendente ou o utiliza apenas como meio de ter uns dias festivos ou para as alturas em que se lembram, por entre as coisas da ciência que lhes dominam o modo de pensar, que talvez possa estar aí  a "limpeza dos pecados", tipo detergente ou a "salvação", isto quando nem sequer sabem o que é a "salvação", ouviram dizer... e defini-la, nem pensar.

Sem comentários:

Enviar um comentário