Não me obriguem a não ir para a rua gritar
Numa formação, por ter feito perguntas, puseram-me de lado
A juventude é silenciosa, não questiona
A juventude é drogada. Numa turma são mais aqueles que se drogam do que os outros
A juventude vai para a rua gritar só quando lhe tocam no botão do ambiente porque foi formatada para isso
A juventude tem a forma que lhe deram e droga-se porque não vai à procura de quem é
A rebeldia é um sonho soterrado na História; a arte perdeu-se nas ruínas da memória
Só se encontra gente medíocre intelectualmente
Só se encontram técnicos em todas as áreas, inclusive no esoterismo
Hoje, Domingo de Páscoa, imagino um Cristo especial: um braço estende-se para o passado, o outro faz o mesmo para o futuro, os pés tocam num chão imundo, a cabeça inclina-se para ver o céu e o coração está no presente, irremediavelmente no presente, a sofrer
O mundo não está perdido apenas porque ainda há memória. Quando não existir mais memória será porque se salvou ou se perdeu
A ideia de morte como passagem consola-me imenso. Não ter de aturar isto, é bom
Os arquitectos modernos das casas modernas só conhecem algumas cores, a saber: o preto, o cinzento, o encarnado e, muito de vez em quando, o branco
Os arquitectos modernos não gostam de mármore, de pedra e de colunas. E eu não gosto de arquitectos modernos
Convém que se saiba que nada disto me agrada
Pintei demais, penso que tenho uma tendinite
Li demais, penso que tenho um reservatório de palavras suficiente para fazer frente à demência reinante
As pessoas de quem gosto, e não são muitas, aturam estas coisas
Se falamos demasiado em nós, somos egocêntricos, se falamos em nós em relação com os outros, estamos no processo de cura, se falamos dos outros somos jornalistas encartados que espelham a única realidade que lhes é apresentada. A prosa jornalística tornou-se abominável porque o mundo está abominável
Nós somos mais bonitos do que o mundo abominável. Escolher falar de nós não é uma questão de ego, é uma questão de estética
Tenho saudades da minha mãe e do seu contexto. O seu contexto era a festa espontânea e a paixão desenfreada pela vida. Hoje, só vejo zombies em selfies.
Espero outra época fora de mim, sabendo que a tenho dentro de mim.
Anda tudo à procura de justiça social. Alguma vez houve justiça social? A única que houve foi a divina. A social é uma prova do egocentrismo dos homens que se julgam deuses de causas menores
Sento-me a balançar ao vento como uma pomba branca em cima de um galho. Podia ser cinzenta, a pomba, mas esta é branca. Ainda hão-de dizer que a pomba branca é racismo... não percebem nada de símbolos, criaturas impuras, miscelâneas de credos artificiais lidos nos livros de política.
Todos os dias acordo com pena de acordar para este tosco mundo povoado com gente tosca. Depois, lembro-me do mar, e todos se afogam nele e fica apenas esse azul magnífico, a força das ondas
Não me obriguem a não ir para a rua gritar... ao que chegámos. E sabemos bem, que mesmo que fossemos para a rua gritar nos iriamos juntar a uma multidão de gente que grita para nada.
Ponto de situação:
Não me obriguem a ir para a rua gritar e
não me obriguem a não ir para a rua gritar.
Sem qualquer paradoxo, aqui.
Esta é a verdade exacta e pura da prisão que nos rodeia
e da gente medíocre que nos cerca.
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