A delícia das viagens reside na sapiência de que nada sabemos e que somos pequenos em comparação com o grande mundo. Essa pequena delícia permite-nos o ofuscamento voluntário e o deslumbramento involuntário. Trago, dentro de mim, viagens das quais já não me recordo porque foram directamente para os ossos e ficaram presentes na estrutura interna, alicerçadas a uma verdade qualquer. Aliás, esta estranha capacidade de nos esquecermos é suspeita. Dizem que com o passar dos anos, a infância vem voltando em revoadas inesperadas, mas essas são memórias do realismo nítido com que as crianças absorvem o mundo. Há outras memórias das quais não se fala, porque não se pode falar. São as aprendizagens Reais com que vivificamos os ossos no Juízo Final. O segredo delas é estarem presentes, incrustadas e são assintomáticas, excepto, talvez, em certos olhares que deitamos ao mundo, certas compreensões inesperadas, em certas certezas incondicionais. E as palavras nunca chegam para nada por serem demasiado ou de menos nesta passagem pela vida que é uma espécie de morte naquilo que tem de vaso receptivo ao orvalho do conhecimento banhado pela luz. Quanto mais silenciosos nos encontramos, mais as energias internas parecem brotar como represas que se abrem deixando deixando fluir as águas na sua grande viagem em direcção ao mar. Como explicar, e com que palavras, que de certas viagens trouxemos os deuses connosco, encontrados agarrados às pedras, e que eles perduram vivificados pelo nosso próprio sangue?
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