segunda-feira, 13 de dezembro de 2021
Lua Nova
Diminuí a lua de propósito. Não vale a pena espelhar o sol para cegos. Diminuí o mundo porque não vale a pena um mundo sem graça. Observo da minha janela os transeuntes e são tão iguais ao que eram há dez, cem, mil anos. Normalmente o que escondem não é bom. Quase ninguém tem bons segredos, segredos grandiosos, vindos das planícies do céu. Encerram o tenebroso, o embaraçoso, o vergonhoso ou, simplesmente, o nada que carregam às costas e que se vê nos olhos. Hoje disseram na TV que o Rendeiro quando foi apanhado estava com um olhar vazio. Ele sempre teve um olhar vazio, como a maioria dos homens actuais. Somente algumas crianças ainda conservam um olhar acesso e vivo. A vida vê-se pelos olhos. Há também muitas crianças que já trazem o mesmo olhar vazio como uma marca do vazio futuro. Sinceramente já não me preocupo com o olhar vazio. Ainda pensei poder despertar este ou aquele com algumas palavras, mas a decadência do mundo é demasiado forte e visível para lutarmos contra ela. É até um acto de justiça fazer a negação da luta. Seria injusto não o deixar decair e não deixar que o fim de ciclo se cumpra. As sementes, que se podem deixar, são, por definição muito pequenas e invisíveis, escondidas na terra. São as únicas que germinam, as que estão escondidas a qualquer olhar. Prolongo o gesto de olhar o olhar dos animais e de ver neles a alma que falta aos homens. Seria bom poder dizer que um novo mundo está prestes a surgir, uma nova Era, e andar vestida com túnicas a sorrir, descalça num tapete de flores. Seria mais agradável ler isso do que estas letras de nevoeiro entristecido. Mas, a mentira é a grande inimiga da verdade. E a verdade é coisa inexistente num caminho mais além. Mais além, o que há, é uma ligação ao céu. Se quiserem chamar-lhe verdade, pode ser esse o nome. Mas nunca a mentira. A verdade é um nome, a mentira é um facto. Olhar para uma casa e ver de imediato todas as divisões é tão entediante como a desventura de uma verdade todos os dias dita. Daquelas verdades estúpidas como quando dizemos as horas a alguém. Permitam-me que vos diga que acho pouco ou nenhum interesse naquilo que escrevem. Escrevem como se dissessem as horas a alguém. Ou então mentem e dizem que é ficção. Tanto faz. A matéria é sempre desinteressante. O assunto, um dejá vu, os factos inoperantes. Restam os assuntos tomados sob a perspectiva pessoal e intransmissível, os únicos que valem a pena. Aqueles que são as tais sementes escondidas na terra, o gesto simples e humilde de querer saber mais um pouco. O resto é puro espectáculo, sem a grandeza do espectáculo. Um imenso espelho onde se banham os egóicos que nunca se cansam de si mesmos e julgam salvar o mundo ou que o mundo não se salva sem eles, o que para eles é a mesmíssima coisa. A lua, quando está mesmo diminuta, é lua nova. Invisível como as sementes e, o mundo, quando perde a graça, abandona-se a si mesmo num invisível que não compreende. É por isso que vale a pena não espelhar o sol e deixar que a inconsciência seja dona e senhora do momento, porque mesmo sem o saber, ela vagueia no invisível céu que desconhece e não alcança, enquanto ele, o céu, é dono e senhor de si e trata o mundo como um súbdito a quem dá algumas migalhas do banquete quando se lembra ou quando quer.
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