Às vezes, em Portugal, parecemos
burros emparelhados, em si mesmo sendo ensimesmados, andando com a neura do
destino sorrindo para que se não diga que se perdeu o tino. E vamos
balouçantes, dando a mão pelo caminho, tocando as dores para melhor senti-las,
a rir da ferida remexida como quem não é outra coisa senão a mágoa, de recorte
nítido, lágrima num olho caindo lenta, sorriso multiface no grande copo de
vinho. Às vezes em Portugal, tornamos quieta a alma, por fora assim como quem
dá um presente para vestir, e bordamos nas horas vagas os não pensamentos um a
um, senão aqueles que são da casa, do quintal e da compra do champô. Toda a
quietude manifesta, se se contempla o mar em festa, é suspeita de um lago
parado, lá por dentro como um fado, e só a memória quase se nota. Às vezes somos pouco, por nem saber do mais
que somos, galos, galinhas e um porco, fazem do existir um livro morto. Se se nos
ilumina o olhar é porque uma criança passou isso e devagar, e só porque alguém
versou. Nas cantigas que sustemos, das antigas e das menos, há essa língua que
sabemos, grande e imensa no que lembra
do que somos e do que temos. Às vezes somos roupas estendidas em degraus, outras
nus d’alma, de repente pelo vento arrebatados
e aí, sim, quase naus.
(Cynthia Guimarães Taveira)
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