quinta-feira, 2 de abril de 2015

Chegada...




Não me perguntem por onde andei,
das viagens só trago imagens,
e tudo o que é sempre uma insubmissão,
na aldeia tranquila que vos habita.
Se de longe trago trajes, jóias,
deuses novos adornados de orações,
ou, se delas trago a miséria ,
Intragável de sangue e dor,
não queiram saber se não querem saber,
de que outros climas fui beber,
do que vos desencanta na arte breve,
de um gesto acontecido e indiscreto,
junto à lareira dos serões em que adormecem.
Toda a novidade é um crime no largo,
e não poupa a marcha compassada,
do solitário universo que em vós se vos instalou,
feito todo ele como se fossem o que são... e só um.
Não queiram saber do sabor salgado do mar,
se ele salga a terra onde penam sol-a-sol,
e dos martírios que negam o vosso.
Não me perguntem por onde andei,
para que não pasmem nem retenham
imagens que não são vossas,
e se esqueçam da enxada dorida,
a meio da tranquilidade morta.
Não assistam ao meu regresso
e não me digam que não me viram ontem,
se isso vos lembra a triste e inquieta esperança
que vos recusa na paisagem final em vosso torno...
Não me perguntem por onde andei,
verbo louco tornado múltiplo,
luz colhida de outras bem-aventuras,
improvável recreio dos sonhos que não têm,
arte improvisada sem história,
tempo, outro, engolindo o vosso,
levando-os a deitar a lágrima que vos torna em vão...
Não me perguntem por onde andei
se não andaram também, nada sei,
nem uma ponte de saudade é erigível,
se sem outra parte ela não há,
e dessa outra parte nunca cheguei a chegar,
à aldeia tranquila que encontro e que vos habita,
nesta viagem que fiz sem que nunca fosse dita...
 
 

(Cynthia Guimarães Taveira)

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