Escrevo sempre a correr... corro para a frente com as
palavras. Há uma forma de urgência nítida nesta pressa. Às vezes penso que
escrevo a correr para que as palavras não se percam pelo caminho, outras, penso
que o faço para as apanhar melhor, ou antes, para elas me apanharem melhor,
como se de surpresa. Não sei onde está a verdade. Mas talvez a verdade de um
momento único fique nelas. Aquele momento em que foram assim juntas pela
primeira vez. O mais perto da origem possível. Nunca pensei que elas fossem
algo de tão vivo, tão prontamente a serem vertidas. Sempre houve um lado de mim
oculto que escrevia sem que desse por isso. E se nós tivéssemos, cada um,
alguém que escreve, ou vá escrevendo pela vida, dentro de si? Um redactor
invisível do jornal que tem a forma da nossa consciência? E um dia, um dia, ele
surge, quase como se impondo na aparente monotonia dos números que foram saindo
sem que tivéssemos dado por isso. Escrevo como um jornalista que trouxesse
novidades de uma alma velha, sabendo que não há novidades e que todas as almas
são novas a partir da antiguidade de tudo o que visivelmente nos cerca. Ando pelas ruas do infinito procurando, sem
que dê conta, de todos os factos sentidos, de todas as imaginações
suficientemente aparatosas para o escaparate da consciência, mas a notícia no
mundo sou eu, contemporânea das noticias que todos são. A sincronicidade é uma
aparente troca do mesmo jornal contendo lá dentro uma consciência diferente. O
tempo investe-nos da legitimidade da novidade e, no entanto, todas as novidades
são a prova da antiguidade do mundo, de nós. Ausento-me nessa correria das
palavras. Quem chega à meta são elas e não eu. Não estou em parte nenhuma dessas
pistas a que concorro e vejo-as, às palavras, subir ao pódio, medalhadas e
ouvindo o hino delas próprias. Espanto-me com a distância de tudo isto, mas
sei, que foi a velocidade que criou essa
distância e apenas ela porque as palavras são uma incriação criativa ou
criadas e, por isso, incapazes de se criarem a elas mesmas, incriativas, por isso. Às vezes penso que escrevo numa espécie de primeiro limite do ser (porque há outros), como um sonho que tive um dia: corria a tal velocidade que a
alma se soltou. Há no tempo um mistério indefinido capaz de alterar o espaço.
Como há no tempo das palavras o mistério da sua manifestação. As palavras não
são uma manifestação do tempo porque o tempo não se manifesta, é apenas um
veículo, uma cápsula para tudo. No limite do ser há, como que mil canetas, e
todas as faces são as possibilidades de um anjo que pode passar, cair, por vezes, ou até ficar.
(Cynthia Guimarães Taveira)
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