quarta-feira, 29 de janeiro de 2020
A libelinha
A libelinha axadrezada
Encontrou uma poça na estrada
Ficou atordoada, a coitada
Nunca a sua ideia estivera tão enganada
Se as asas em curva eram prova dada
De que o voo não é para asa quadrada
Tanta água era a prova encontrada
De que na água nada voa, nem a ideia
De uma libelinha axadrezada
(Cynthia Guimarães Taveira)
domingo, 26 de janeiro de 2020
Água e fogo
Sob o signo da água é a energia conduzida bem como a Tradição. A fonte que alimentou o mar é portuguesa como uma primeira fase. Sob o signo do fogo está a transfiguração. A fonte pode ser portuguesa. Sob o signo do Espírito Santo. Se a primeira fase é a do ensino/aprendizagem, a segunda requer a Arte, a transmutação. Requer a devolução da arte esquecida. Essa, não se faz em bancos de escola. Faz-se junto ao fogo. Passa de mestre a discípulo e tem resultados. Essa requer nascer-se, para isso, duas vezes...
sexta-feira, 24 de janeiro de 2020
Luz
No outro dia dei por mim de visita a uma casa escura, com iluminação fraca, a sugerir (o que é um hábito-compulsão no que toca à decoração) à dona da casa, que iluminasse os cantos das divisões porque eram normalmente lugares mortos.
As mulheres tendem a ver e a ouvir muito mais (eu disse tendem, não é uma lei) talvez porque estejam muitas vezes entretidas com o seu próprio silêncio... Naturalmente, tal conselho é luciferino. Uma recusa das trevas é algo luciferino segundo os preceitos bíblicos. Mas penso que a prova do fruto da árvore do bem o do mal é o mesmo. Tudo o que é conhecimento, é luz e toda a sua procura rompe com alguma regra algures no cosmos. Não me vou pôr a venerar de joelhos o pecado original nem Lúcifer, isso faz parte do materialismo hermenêutico muito comum na nossa época e dá aso às maiores confusões. Tive a sorte de não ter sido forçada, desde a infância, a aderir a qualquer instituição religiosa e isso torna-me sempre uma estrangeira nessas terras. O meu olhar perante as instituições é o meu olhar e não o das instituições que olham para si próprias com o seu próprio olhar. Esta pequena diferença tem sido fundamental. Tenho assistido, por outro lado, às teorias mais díspares sobre o "alcançar da luz". Desde os que mergulham nas trevas para a procurar, Dante, por exemplo, aos que se entregam ao mar e à viagem para a merecer, a visão de Camões sobre os Descobrimentos, por exemplo, aos que mergulham profundamente nos abismos da alma e voam, em simultâneo, às montanhas mais altas para a intuir, Cervantes, por exemplo. Somos modeláveis pela literatura que nos embala muito mais do que percebemos. Na verdade, na decoração, a luz é fundamental. E também na vida. Na decoração japonesa, a sombra ganha destaque mas o único propósito é o de tornar a luz um elemento raro e precioso. Assim, e em concordância com a Tradição, são as sombras que mudam crescem ou diminuem conforme a dimensão simbólica que queremos dar à luz. Não é a luz que cresce e muda conforme a dimensão simbólica que queremos dar às trevas. Os pontos de luz são a referência, aquilo que nos pode encaminhar os passos. Percebi isso muito bem quando um dia por via de uma actividade da minha Associação, rondava eu os dezesseis anos, me vi suspensa nas traves acima do palco do S. Carlos. Já não me lembro porquê, fui dar comigo lá em cima, num teatro vazio e escuro. À minha frente sabia ter umas traves que atravessavam o "céu" do palco, suspensas. Cada passo que dava era feito na mais completa escuridão. Não se via nada, nem para cima, nem para baixo nem para os lados. Senti-me a flutuar. Senti que era perigoso fazer aquilo. E, no entanto, continuava a dar passos cuidadosos para a frente, tocando as traves com os pés devagar. A única luz que tinha era a do tacto e a da minha consciência. Sem ela nunca teria avançado por entre as trevas que se reuniam à minha volta. Cada canto escuro tinha sido vencido.
As mulheres tendem a ver e a ouvir muito mais (eu disse tendem, não é uma lei) talvez porque estejam muitas vezes entretidas com o seu próprio silêncio... Naturalmente, tal conselho é luciferino. Uma recusa das trevas é algo luciferino segundo os preceitos bíblicos. Mas penso que a prova do fruto da árvore do bem o do mal é o mesmo. Tudo o que é conhecimento, é luz e toda a sua procura rompe com alguma regra algures no cosmos. Não me vou pôr a venerar de joelhos o pecado original nem Lúcifer, isso faz parte do materialismo hermenêutico muito comum na nossa época e dá aso às maiores confusões. Tive a sorte de não ter sido forçada, desde a infância, a aderir a qualquer instituição religiosa e isso torna-me sempre uma estrangeira nessas terras. O meu olhar perante as instituições é o meu olhar e não o das instituições que olham para si próprias com o seu próprio olhar. Esta pequena diferença tem sido fundamental. Tenho assistido, por outro lado, às teorias mais díspares sobre o "alcançar da luz". Desde os que mergulham nas trevas para a procurar, Dante, por exemplo, aos que se entregam ao mar e à viagem para a merecer, a visão de Camões sobre os Descobrimentos, por exemplo, aos que mergulham profundamente nos abismos da alma e voam, em simultâneo, às montanhas mais altas para a intuir, Cervantes, por exemplo. Somos modeláveis pela literatura que nos embala muito mais do que percebemos. Na verdade, na decoração, a luz é fundamental. E também na vida. Na decoração japonesa, a sombra ganha destaque mas o único propósito é o de tornar a luz um elemento raro e precioso. Assim, e em concordância com a Tradição, são as sombras que mudam crescem ou diminuem conforme a dimensão simbólica que queremos dar à luz. Não é a luz que cresce e muda conforme a dimensão simbólica que queremos dar às trevas. Os pontos de luz são a referência, aquilo que nos pode encaminhar os passos. Percebi isso muito bem quando um dia por via de uma actividade da minha Associação, rondava eu os dezesseis anos, me vi suspensa nas traves acima do palco do S. Carlos. Já não me lembro porquê, fui dar comigo lá em cima, num teatro vazio e escuro. À minha frente sabia ter umas traves que atravessavam o "céu" do palco, suspensas. Cada passo que dava era feito na mais completa escuridão. Não se via nada, nem para cima, nem para baixo nem para os lados. Senti-me a flutuar. Senti que era perigoso fazer aquilo. E, no entanto, continuava a dar passos cuidadosos para a frente, tocando as traves com os pés devagar. A única luz que tinha era a do tacto e a da minha consciência. Sem ela nunca teria avançado por entre as trevas que se reuniam à minha volta. Cada canto escuro tinha sido vencido.
-- Sabe, iluminar os cantos das divisões das casas torna-as mais acolhedoras.
Parou, por momentos, a olhar para mim. O olhar tinha-se transformado. Adquirira uma súbita profundidade. Ela não era muito do género de pensar em coisas profundas mas naquele preciso momento, o símbolo tinha vencido as suas trevas. Sorriu. Conscientemente.
quinta-feira, 23 de janeiro de 2020
Os franco atiradores e os franco elogios
No outro dia dei a um conhecido meu que é emigrante em Londres há muitos anos um papelinho com uma observação que apanhei nas redes sociais quando ainda tinha a "coragem" de lá estar - para muitos é um acto de coragem, para outros um acto de estupidez, para outros uma perda de tempo, para outros um óptimo meio de divulgação, para outros um óptimo meio para fazer amigos, para outros uma óptima maneira de fazer inimigos, para outros um café pela manhã ou pela tarde com gente desconhecida, para outros um escape para a solidão, para outros... Vejam a diversidade. Para mim uma má experiência - mas dizia que tinha entregue essa observação e que demonstrava a diversidade de variação do verbo "To do" em inglês e as do verbo "Fazer" em português dando um total de 5 para 58. Disse-lhe para mostrar aos amigos ingleses. Afinal, como disse Steiner, o filósofo, cada língua que se aprende é um mundo que se revela e a nossa língua é muito rica. Uma das consequências desta contemporaneidade que parece que anda embruxada e bipolar (bipolar por fora e esquizofrénica por dentro) é a "polarização", o que até tem graça numa altura em que o eixo da terra parece querer avançar para oriente mais depressa do que o habitual, via norte. Quando uma sociedade, como é esta ocidental, se encontra neste estado bipolar isso é o mesmo do que só se conhecer uma língua com cinco variações (que me lembre) da palavra "do". Qualquer uma delas ganha um extraordinário peso porque há muito poucas. Neste sentido, não havendo muitas opções na língua e como a língua em épocas de crise tende a sobrepôr-se ao próprio pensamento, também não há muitas ao nível do pensamento. É neste sentido que podemos até falar em português mas pensar como alguém que só fala inglês. Quando a língua se sobrepõe ao pensamento há sempre uma colonização deste. Alguns têm é línguas mais ricas que condicionam menos o pensamento dando-lhe espaço para ir um pouco mais além pelas nuances e variações dos verbos, outras são um pouco mais reduzidas. A língua inglesa não é definitivamente católica, ao contrário das línguas latinas que sempre tiveram o Catolicismo e a ideia de "Julgamento" como companhia. A mistura é explosiva e rápida. Quando pensamos como um inglês e sentimos como católicos rolam cabeças. A língua que condiciona o pensamento é pobre e o julgamento é ultra-rápido. É quando pensamos antes da língua servindo esta apenas para traduzir a riqueza do pensamento que as coisas se podem atenuar. Sabemos bem que o acto de pensar foi passando para segundo plano, até no ensino, com a ausência de filosofia nas escolas em Portugal, a outra grande ausência é a da Antropologia clássica e não desta moderna que não passa de uma geringonça ao serviço da política. Podemos até falar em português mas pensamos como os americanos e sentimos como católicos simplórios (o catolicismo português tinha como marca o facto de cada qual se relacionar com ele como queria - com a pobreza de pensamento isso desaparece e dá lugar ou ao ateísmo ou à corrida a Fátima que nunca, infelizmente, chegámos a trocar por Trancoso) e o resultado é esta explosão de polarização frontal que demonstra o bi-polarismo dos "vencedores" e dos "falhados" aplicado não apenas à capacidade de ganhar dinheiro ou de ter sucesso como no caso dos colonizadores americanos, mas como o nosso sentir é católico, isso é aplicado a diversos níveis mais profundos, morais, de carácter, de capacidades, enfim, muito mais abrangentes. O resultado é um julgamento rápido e eficaz sem qualquer espaço para dúvidas. Mas, como a língua portuguesa é diversa porque traduz um pensamento diverso, certos tiques de diversidade continuam presentes sem que nos apercebamos e assim, facilmente, essa polarização é invertida e se passa de um extremo a outro com a velocidade e grandeza de um salto de bailarino russo, sem nos darmos conta do que acabámos de fazer, é a tal esquizofrenia implícita cuja particularidade maior é a capacidade de fragmentação. Não admira que a loucura esteja instalada ao ponto de sabermos, por observação, que "elogiar" alguém é atacar um outro em simultâneo, esquecendo facilmente a riqueza da nossa língua e do nosso pensamento. Não há espaço para pôr tudo na mesa do balcão porque a mesa é muito pequena. Ou se há, fica tudo amontoado na maior confusão, o multiculturalismo no seu melhor. O único antídoto para isto é re-aprender a pensar coisa que ninguém quer porque dá trabalho e anda tudo muito cansado com esta polarização cuja esquizofrenia obriga a saltos de Nureyev de uma ponta à outra do palco. Depois sim, entender que a nossa língua transmite o nosso pensamento como povo e que quando se elogia alguém não se está obrigatoriamente a criticar outra pessoa e vice-versa. Os nossos verbos, pela sua riqueza, são quase adjectivos o que torna as acções "adjectiváveis" por natureza, ou seja, dotadas de qualidades ligadas ao tempo em que decorrem. Se perdermos isso, ficamos com o julgamento, mas com muito pouca justiça. Até para nós próprios. Como povo, merecemos isso?
quarta-feira, 22 de janeiro de 2020
Já não
Já não te ouço ou sinto
Ficaste na dormência do tempo
Na calma noite que me persegue
Nas unhas fundas da fera
Nos bustos recortados do palácio
Na naus embaladas pelo recorte lunar dos teus olhos.
Ficaste na dormência do tempo
Na calma noite que me persegue
Nas unhas fundas da fera
Nos bustos recortados do palácio
Na naus embaladas pelo recorte lunar dos teus olhos.
Já não te escrevo nem re-escrevo,
Nem por entre as brumas por onde te via, te vejo
Nos passos libertos agora meus
Os teus ficaram dissolvidos no vento
Nas palavras minhas que te faziam aparecer
As tuas nunca as ouve
Nos silêncios meus, grandes montanhas
Os teus um quase nada querendo ser tudo
Já não te ouço ou sinto
Como se te tivesses afastado sem que tivesses estado
E se há pontes, ou rotas nos céus
Em nós não crêem
Em ti nunca foram imaginadas
Em mim apenas porque imagino tudo
Como a primeira inspiração de um recém nascido
Se pontes ou rotas, estendidas para os teus ombros e deles para cima, para a coroa de céu
Não vivem em mim, não ficaram por mim
Depois de as imaginar
Balançaram com o vento que te levou
Sempre quiseste a poesia
Para brincar com ela, boneca e carrinho de meninos
Sempre acreditaste mais nas palavras do que em mim
Sempre quiseste a transcendência por elas
Mas elas são pássaros que voam livremente
Nos quartos do meu palácio
Onde não te ouço nem te sinto
Nem lembro nada que não fosse uma
Bola de sabão a flutuar
Nas vertentes de montanhas onde
Deslizo agora pelos rostos de perfil
E nenhum deles é o teu
Porque nunca foste senão
O reflexo vago no espelho das águas
desfeito quando vi um peixe e o toquei
O mundo cresceu, dizem que não, mas vi-o expandir-se sem se cruzar contigo em qualquer parte da galáxia
Permaneces a ausência personificada
Se fores um deus és o da ausência
Porque os teus passos ficaram dissolvidos num tempo que nunca aconteceu
O teu rosto em mãos de areia
A tua sorte confinada à do destino
Sem a contemplação do improviso
Sem o salto sem rede
Sem que alcances o outro lado do precipício porque nunca estiveste
No meu coração que é absoluto
como o resultado de um conjunto total
ele próprio o itinerário desse transcendente
que tanto quiseste e não queres mais
Não te ouço nem te sinto
Na minha capa, na minha espada
Na minha nudez protegida pelos teus olhos cegos
Alguma vez soubeste que podia escrever pela noite fora pelos rumos de Xerazade,
Pelos poetas sem idade,
Pela eterna curva da Saudade?
Não te ouço nem te sinto
Porque és a angústia viva do fingimento
O lamento sem fim escondendo a gargalhada
O canto do cisne sem que nenhum deslize pelo lago
Imaginas-me imaginando-te a imaginares-me
Espiralizas-te em imagens até ao disforme
E dizes que compões sinfonias
A régua e esquadro
Sem que vejas Regra diante de ti
(Cynthia Guimarães Taveira)
Nem por entre as brumas por onde te via, te vejo
Nos passos libertos agora meus
Os teus ficaram dissolvidos no vento
Nas palavras minhas que te faziam aparecer
As tuas nunca as ouve
Nos silêncios meus, grandes montanhas
Os teus um quase nada querendo ser tudo
Já não te ouço ou sinto
Como se te tivesses afastado sem que tivesses estado
E se há pontes, ou rotas nos céus
Em nós não crêem
Em ti nunca foram imaginadas
Em mim apenas porque imagino tudo
Como a primeira inspiração de um recém nascido
Se pontes ou rotas, estendidas para os teus ombros e deles para cima, para a coroa de céu
Não vivem em mim, não ficaram por mim
Depois de as imaginar
Balançaram com o vento que te levou
Sempre quiseste a poesia
Para brincar com ela, boneca e carrinho de meninos
Sempre acreditaste mais nas palavras do que em mim
Sempre quiseste a transcendência por elas
Mas elas são pássaros que voam livremente
Nos quartos do meu palácio
Onde não te ouço nem te sinto
Nem lembro nada que não fosse uma
Bola de sabão a flutuar
Nas vertentes de montanhas onde
Deslizo agora pelos rostos de perfil
E nenhum deles é o teu
Porque nunca foste senão
O reflexo vago no espelho das águas
desfeito quando vi um peixe e o toquei
O mundo cresceu, dizem que não, mas vi-o expandir-se sem se cruzar contigo em qualquer parte da galáxia
Permaneces a ausência personificada
Se fores um deus és o da ausência
Porque os teus passos ficaram dissolvidos num tempo que nunca aconteceu
O teu rosto em mãos de areia
A tua sorte confinada à do destino
Sem a contemplação do improviso
Sem o salto sem rede
Sem que alcances o outro lado do precipício porque nunca estiveste
No meu coração que é absoluto
como o resultado de um conjunto total
ele próprio o itinerário desse transcendente
que tanto quiseste e não queres mais
Não te ouço nem te sinto
Na minha capa, na minha espada
Na minha nudez protegida pelos teus olhos cegos
Alguma vez soubeste que podia escrever pela noite fora pelos rumos de Xerazade,
Pelos poetas sem idade,
Pela eterna curva da Saudade?
Não te ouço nem te sinto
Porque és a angústia viva do fingimento
O lamento sem fim escondendo a gargalhada
O canto do cisne sem que nenhum deslize pelo lago
Imaginas-me imaginando-te a imaginares-me
Espiralizas-te em imagens até ao disforme
E dizes que compões sinfonias
A régua e esquadro
Sem que vejas Regra diante de ti
(Cynthia Guimarães Taveira)
As Olimpíadas Esotéricas
Os jogos olímpicos da Antiguidade eram uma espécie de ritual e aconteciam com um ritmo de tal forma preciso que chegaram a servir para medir o tempo. Durante esta manifestação sagrada chegaram a existir as "tréguas sagradas" para que os jogos pudessem decorrer. É bom saber que a tradição grega continua viva no mundo esotérico português. Quando os nomes que escrevem livros e fazem palestras não andam à guerra uns com os outros, não se agridem verbalmente e não tentam sair vencedores, faz-se uma espécie de tréguas sagradas e aparecem todas essas figuras a falar de Amor, Paz e Compreensão. Depois voltam para a guerra. A única diferença é o tempo. Se nos Jogos Olímpicos da Antiguidade os períodos deles estavam estipulados, nas olimpíadas esotéricas é tudo muito imprevisível. Nunca se sabe quando é que um vai entrar em paz ou outro vai entrar em guerra. Esta imprevisibilidade faz lembrar uma das características do Espírito Santo... Mas na verdade, é um mero reflexo pardo e rarefeito dele. Assim, a vitalidade das sagrações tanto da guerra como da paz dependem dos calos pisados, da dor e da duração da mesma sendo, por isso, algo de extremamente pessoal e intransmissível... bem, intransmissível não direi, quando entram em guerra sabemos logo que há calos pisados, quando entram em paz há um desejo imenso de partilhar essa paz com o público, leitores e visitantes de palestras para assegurar a continuidade da pesca para os grupos respectivos feita por entre debutantes inexperientes que também trazem amigos. Entre mortos e feridos alguém se há-de escapar (escapam sempre - isto é como o PCP, nunca há derrotas), por via dos cânticos de paz e lágrimas de crocodilo para encantar as hostes.
Carta aberta a Luís de Matos
A propósito de uma conferência sobre Templários que me distraí a ouvir, dizia o orador, figura conhecida no meio esotérico, o Sr. Luís Matos, que não havia neo-templários, tal como não havia neo-sapateiros ou neo-carpinteiros. Evidentemente que não. Pode haver de tudo na contemporaneidade. De maneira que podemos ter sapateiros, carpinteiros e templários e até mais "profissões" como pedreiros, pintores, cavaleiros, damas, sacerdotes, músicos, etc e etc e etc. Os resultados é que podem ser "neo". As linhagens espirituais também podem existir na contemporaneidade, e aí, não há neo, nem passado. Há o que há. Ora a espiritualidade só é visível nos últimos estádios dela quando o corpo começa a ganhar uma tal subtileza que parece querer desprender-se deste mundo apenas por não lhe pertencer mais. Até lá, é Absolutamente invisível. De maneira que quanto a esta última não se pode falar de resultados a não ser muito perto do fim dentro das nossas coordenadas espacio-temporais. Nunca os "fenómenos" , "visões", ou "milagres", foram garantias de coisa nenhuma. Se procurarmos estas coisas como resultados, fenómenos, visões ou milagres pode aparecer-nos de tudo como é bem sabido ao longo da história "mística" da humanidade. Um faquir, não é um guru... Assim, Sr. Luis Matos, o resultado pode ser "neo". A legitimidade das coisas passa sempre pelo transcendente primeiro e só depois pela legitimidade que os homens dão ou não a essas coisas no campo do sagrado. Essa legitimidade dada pelo alto é aquela que é a mais difícil de obter e passa pelas linhagens espirituais que são Absolutamente invisíveis. A legitimidade dada pelos homens é a mais fácil de obter. Basta votar...no fenómeno que parece ser mais apropriado para a altura. Assim, depois de ter ouvido com extrema atenção a conferência, fiquei na mesma.
terça-feira, 21 de janeiro de 2020
Descartes
Pintura de Cynthia Guimarães Taveira)
Por detrás da cortina está a rosa. Sim, um dos títulos prováveis. Tem uma cortina, tem uma rosa, tem o arrendado dos templos manuelinos. Não vou agora pôr espartilhos numa pintura só porque lhe dou um título. Consta que Descartes andou à procura dos rosa-cruz e que não os encontrou. O mecânico do carro dos deuses andou à procura dos condutores. Quanto a mim não andou à procura deles. Andou à procura do espelho dele próprio neles e, evidentemente, não o encontrou. É preciso ser eles para os encontrar. Isto aniquila o "espírito democrático". De maneira que, por mais espavento que se faça à volta duma instituição, aquilo que com que se fica é com uma instituição. Quando não há instituição, estão tramados. Andam ali aos círculos, uns fazendo publicidade da instituição a que pertencem, mesmo que digam que não a fazem, outros fazendo-a abertamente com panfletos e tudo e outros, os fantoches, fazendo publicidade das instituições sem saber que a fazem. O tempo que se perde nisto é cavernoso, sem desprimor para a caverna que não tem culpa nenhuma.
quarta-feira, 15 de janeiro de 2020
A arte argumentativa
https://www.publico.pt/2020/01/14/culturaipsilon/opiniao/serenamente-frente-mar-1900180
Independentemente de ser contra todo o vandalismo não posso deixar passar despercebido (não há blogue mais despercebido do que este) este facto estranho que parece transversal à auto-denominada arte actual. Diz Pedro Cabrita Reis que a sua obra "A linha do mar" é arte porque ele diz que é arte. Ora, quando a arte precisa de muitos argumentos torna-se na arte do argumento. Em princípio seria assim. Mas tomados do vazio interior que demonstram nas suas obras, determinados contemporâneos, levantam o queixo e dizem com orgulho sobre a sua obra: "É arte porque eu digo que é arte". O argumento é este em definitivo. E depois, tal como a Joana Vasconcelos, vem defender-se acusando os Românticos que pensam que a arte vem do sofrimento, patati, patatá. Não querem sofrer e até compreendo isso. Quem é que quer? Ou seja, eles dizem o que é a arte e desdenham os "Românticos". O grau zero da argumentação. O grau máximo da ditadura (evidentemente que normalmente são todos democraticos, pudera, é a democracia que os suporta). Quando não há argumento maior do que a vontade é muito natural que surja a antítese espelhada e a legitimidade dela, e eu assumo-a totalmente quando posso dizer: "Pedro, isso que dizes ser arte, não é arte porque eu digo que não é arte." Da mesma forma, igualmente, auto-opinadamente. E da mesma forma que o artista pega em meia dúzia de barras de ferro e tapa a vista do inocente, o inocente, tira as barras da sua frente para poder ver a vista. São todos inocentes porque "não sabem o que fazem", isto citando Cristo. E não sabem mesmo. Bem, economicamente falando o que se passa é uma luta de classes. Pedro Cabrita Reis dispõe barras de ferro como Maria Antonieta comia brioches... Pedro Cabrita Reis é, nesta história, sob o ponto de vista económico, a Maria Antonieta. É natural que o povo pense na guilhotina. Quando a aristocracia decai, o povo também decai. E dão-se as Revoluções que são sempre radicalizacões repetidas até ao infinito. Os artistas decaem de duas maneiras: porque a sua obra precisa de argumentos e porque não têm argumentos. É paradoxal, mas é verdade. É a diferença entre o vazio-vazio e o vazio-cheio isto se se colocar as coisas sob o ponto de vista das filosofias orientais, o que nem é preciso. De maneira que, vivemos num mundo cada vez mais desfigurado. O Bacon havia de adorar... Ele que pintou caras a desfazerem-se como se fossem cera derretida caminhando rapidamente em direcção ao vazio. E já lá chegámos, Bacon, para teu júbilo! "É arte porque eu digo que é Arte!". Querem maior vazio? É tão vazio como um sinal de trânsito a comparar com um símbolo. Exactamente. O símbolo está para os criadores como o sinal está para os ditadores. Mas como sabemos, não há pessoal mais democrático do que este das artes contemporâneas e são tão tolerantes, mas tão tolerantes que a primeira pessoa com quem são tolerantes é para com eles próprios o que é, francamente, um mau começo para se iniciar uma obra. O início da ruína do edifício. A pedra rejeitada, não deixa de ser rejeitada. A tolerância não existe no começo da obra. Está a ser difícil, acompanhar-me, não está? Bem vindos ao universo da Arte. Da Verdadeira.
Os conservadores
Por volta das décadas de 50/60 deu-se uma reviravolta no "conceito de arte", tal como é considerada agora. Se fizermos as contas já lá vão 60/70 anos. Os pós-modernos de hoje são tão conservadores como aqueles a quem chamam conservadores. Na verdade, somos todos conservadores porque depósitos de memórias. Até genéticas. Agora, com consciência, aquilo que distingue todos estes conservadores que somos é aquilo que conservamos. E também o número. Os conservadores daquilo que é mais recente estão a maior número do que os conservadores daquilo que é antigo. A vanguarda, como morre à nascença só pode conservar também. Hoje ia a ouvir a radiotelefonia no carro e disseram que a Rainha Vitória mal soube que Bell tinha inventado o telefone quis logo um para si. Para rainha conservadora não estava nada mal... Faz parte da aristocracia conservadora estar sempre a par das novidades da ciência, o que transtorna os conservadores das coisas mais recentes que pensam ser os únicos com essa virtude. A única vanguarda possível é a da Revelação. Aí , sim, estamos a falar de vanguarda porque tem o poder de retirar os véus das coisas que nos rodeiam e não há nada mais antigo do que a Revelação, aquela coisa de profetas... Acho graça à politização de tudo que acontece nos dias de hoje. Se um indivíduo fala em "beleza" é apelidado conservador, quem sabe mesmo de extrema direita, isto por uma esquerda que conserva os valores nascidos na viragem do século XIX para o XX. Chocante mesmo é a Revelação porque nela se acaba com o tempo e a política nem tem lugar para existir por mais que se esforcem. Do que todos estes cabeças no ar estão mesmo a precisar é de uma Revelação, daquelas boas, à antiga. Ficavam caladinhos, muito caladinhos. Para poderem contemplar um mundo todo novo. Em 2012 vi-me envolvida numa guerra absurda da qual não fazia parte. Gritei, aí o que eu gritei. Só não fui para a rua com cartazes porque não pude. Depois, o meu anjo, um pouco louco, mas meu amigo, resolveu calar-me: deu-me uma Revelação. Berrei, mas o que berrei com ele na mesma. Queria saber o que significava a Revelação. E ele riu-se, ai, o que se riu. Riu-se até que adormecesse exausta e acordasse mais tarde com olhos novos e percebesse o que ele queria dizer. Se já não votava, hoje, ainda menos. Só ponho os pés nas urnas depois de morta e é porque são urnas. Que nome tão apropriado... resolvi conservar essa Revelação no meu frigorífico topo de gama. Para aliar a antiguidade e o "moderno", como a Rainha Vitória. Bem, em dois dias já escrevi duas vezes o nome Vitória, e ou Freud ou Jung hão-de concerteza de arranjar explicação para isto. Que lhes faça bom proveito. Bem a propósito, estes dois. Freud foi um inovador e Jung seu "discípulo", filho, bem mais conservador. Ou será o inverso? Afinal aquelas "pulsões" de que fala Freud são muito "primitivas", antigas, mesmo, e Jung, com aquelas mandalas orientais e a falar do "self" previu as "selfies"? Afinal, são imagens sob as quais todos meditamos muito. A psicanálise é como Deus, está por todo o lado... Nem sei porque é que Nietzsche se deu ao trabalho de matar Deus, a psicanálise fez um trabalho muito melhor. É tão antiga a psicanálise, já agora. Aqueles mitos todos, muito psicológicos, aqueles contos para crianças, do mesmo modo, já existem ao tempo. Tudo gente conservadora. Não há ninguém que se escape ao conservadorismo. Só a Revelação, bem conservada no frigorífico. Não é que precise. Mas já que tenho um topo de gama, pu-la lá. Um dia tiro-a de lá e vamos dar uma volta. Vou levá-la a conhecer o mundo. E o mundo a conhecê-la a ela. Faz falta. Apanhar ar.
terça-feira, 14 de janeiro de 2020
O bom e o mau gosto
https://vimeo.com/128428182
A propósito do desaparecimento deste senhor há uns dias, uma amiga colocou este vídeo interessante nas redes sociais. A polémica estalou. Quanto a mim não há polémica nenhuma.
O homem ou tem uma dimensão sagrada ou não tem, não há meio termo.
A beleza não é relativa. O nosso olhar é que é relativo e susceptível de sociabilização, ou seja, de receber influências várias do exterior, filosóficas ou estéticas, tanto faz.
No universo sagrado:
Há uma diferença fundamental entre o "fanático", ou seja, aquele que transporta o "templo" dentro de si, completo e acabado e o aquele que constroi o templo interior, ou seja, existe em perpétua construção interior.
O templo existe pelo "ideal", transcendente, e como só existe pelo transcende, do qual o homem é um suporte e expressão, existe igualmente com uma dimensão estética.
Podem existir um conjunto de homens que se identifiquem no plano estético porque os seus olhares coincidem.
O templo é interior, logo, o olhar que se desenvolve a partir dele é interior, e os homens podem encontra-se nesse olhar.
A dessacralização é apenas um afastamento, maior ou menor, daquilo que é sagrado, em definitivo e absoluto, não existe.
A dessacralização, ou seja, a tentativa de afastamento do sagrado coincide, frequentemente, com o mau gosto.
Todo o templo interior, que pertence exclusivamente a cada homem, está em perpétua construção. Alguns param a "obra", ou esquecem-se dela, e, nesses momentos, tentam afastar-se do sagrado. O seu sentido estético altera-se bem como o encontro com os olhares de homens que fazem o mesmo. É assim, que dois olhares podem admirar um urinol. Nesse momento estão equidistantes do sagrado. E possuem ambos o mesmo mau gosto. A palavra "mau" indica um afastamento do sagrado. O conceito de "qualidade" é universal. Por outras palavras, quando se ama um urinol como obra de arte, isso deve-se à incapacidade de se ir além desse urinol. Uma pessoa que goste em simultâneo da Vitória de Samocrátia e do urinol, terá de escolher o que levar para uma ilha deserta. Se levar um urinol, talvez não urine na praia, se levar a Vitória de Samocrátia, talvez a possa tentar copiar durante o muito tempo livre que tem. Também pode tentar copiar um urinol, mas nunca será um artista, apenas um empregado fabril. Se começar a fazer urinois diferentes, irá ter que lidar com a proporção, a cor, o adorno, etc. E talvez um dia faça uma Vitória de Samocrátia. Ou seja, talvez um dia atinja conscientemente uma maior dimensão do sagrado.
O que quero dizer com isto é que não há separação entre o artista, o ser sagrado, o contemplador, o templo e a obra de arte. A matéria prima é fundamental porque se encontra nestes elementos todos. Já diziam o antigos... Sendo assim, qual é a polémica aqui? Nenhuma. A única que pode haver é entre fanáticos. Entre artistas, ou há um olhar coincidente ou não há, e ou estão mais próximos do sagrado ou não estão. Com as suas consequências, evidentemente. Na sociedade, no planeta, nas gerações. Como se vê, aliás.
domingo, 12 de janeiro de 2020
Os relógios
Cá em casa em quase todas as divisões há relógios. Quando muda a hora faz-se uma ronda para acertar os relógios. Nesta última mudança de hora, o mesmo se fez, mas uma súbita vontade própria foi dada a cada um deles, nem faço a mínima ideia do porquê e, todos eles resolveram, passados os uns dias, marcar a hora que consideram "aproximada". Assim, uns estão adiantados dez minutos, outros atrasados um quarto de hora, outros cinco, outros dois. Enfim, os únicos relógios que estão certos são os da televisão e os dos telemóveis. Estou farta de pensar em acertá-los, mas penso que bem lá no fundo não me apetece e espero pela próxima mudança de horas. Ainda por cima é na Primavera o que é sempre bom. Nos entretantos dou por mim a não saber a quantas ando e a consultar o relógio do telemóvel. Olho em volta, pela casa, e o tempo parece-me plástico, quase escorregadio como o de Salvador Dalí. Parece que flutuamos numa dimensão dimensão atemporal cá em casa. O que, provavelmente, explica muita coisa.
PS: este texto foi escrito antes das dez para as três. O relógio da sala, marca agora 15.03h.
Novo
Pintura de Cynthia Guimarães Taveira
Nova pintura acabada de sair do forno.
As pessoas "acham" o fogo de artifício muito bonito. No entanto, as cidades que constroem não acompanham essa beleza. As duas coisas deviam ser bonitas. Esta pintura é um imaginar da beleza das cidades com fogo de artificio. A par e passo na beleza.
sexta-feira, 10 de janeiro de 2020
Os loucos
Digo eu mal dos loucos porque posso. Não há maior loucura do que um pintor de sótão em pleno século XXI. A nossa "artista" famosa Joana Vasconcelos disse que já não estávamos numa época de artistas de sótão, que agora éramos artistas empresários... Como vês, Joana, isso não é verdade. E há muitos mais como eu. Pessoas que não se adaptam mas que criam na mesma. E não se adaptam a quê? A bodegas. A jogos. A mentiras. Ainda há quem crie para a glória de Deus. Ele vê. Que os outros não vejam, para isso, estou-me francamente nas tintas.
domingo, 5 de janeiro de 2020
Num bonito dia de Sol
Às vezes sinto-me quase no "não-manifestado", "condição" (é bem mais complexo do que uma condição) que aprendi com René Guénon. Criei um modo de estar que é o produto de uma separação quase radical entre o meu interior e os outros. Falo sempre com os outros segundo a conversa que querem ter. Não escolho temas. Há uma inadaptação ao mundo moderno, ou tal como está, ao nível social. É certo que temos a sorte de viver numa sociedade mais ou menos livre e tolerante. Quando digo esta última frase digo aquilo que o politicamente correcto quer ouvir. E não deixa de não ser verdade, porém, não é toda a verdade... E assim vou falando, meias verdades consoante o interlocutor. Há uns anos dei-me conta da diversidade de gente doida que havia (eu incluída), que só se acalma um pouco quando quer parecer que não está doida e fala de assuntos práticos ou sérios ou as duas coisas com uma compenetração profissional. Depois, à mínima coisa, plim! A loucura espreita, sai da caixinha surpresa, vestida ou nua, tanto faz, está lá. A nossa Ministra da Saúde é completamente passada. Aquela forma de falar foi esculpida em tecnocracia. A forma de se expressar tem vértices e arestas fininhas. Não há curvas na voz, nem sensualidade, nem naturalidade, sequer. Está doida. Varada mesmo. Mas todas as pessoas acham normal. Outra passada é a Cristina Ferreira, a apresentadora. Passou-se. Berra, berra, berra a perseguir audiências. Ninguém vê, mas eu vejo. É outra marada. E há mais. Muitos mais. Talvez menos estridentes, mas com o meu olhar que é um filtro, poucos estão num estado decente. É por esta forma de ver o mundo que o mundo não me devolve muitas amizades. Também esta inquietação ninguém aguenta. É uma inquietação varada e um quietismo em simultâneo assustador. Até eu estranho. Metade de mim está no não-manifestado. Não me manifesto porque como está tudo doido à minha volta penso que não vale a pena. Fico sossegada a ver. O "agir" parece-me idiota se for eu a tomar a iniciativa. É mais ou menos como dizer aos loucos: "Loucos, olhem para mim! Vou agir!" E eles encolhem os ombros e dizem que é mais uma doida. E talvez tenham razão. Esta não-manifestação não foi bem uma escolha, foi uma espécie de consequência. Uma consequência num mundo de doidos. Às vezes gosto de chocar e de dizer coisas como "todos são culpados até prova em contrário". A indignação é geral. Os loucos indignam-se. Estou a pôr em causa o Estado de Direito e ou qualquer coisa assim de muito grave. Mas a realidade é que, bem vistas as coisas, num mundo de doidos é assim que as coisas funcionam. A omissão nunca foi apanágio da verdade. É por dizer estas coisas que tenho poucos amigos. A loucura assumida é bem pior do que a dissimulada, dizem eles. "Somos loucos mas andamos vestidos, agora tu, toda nua, a andar na rua, p'ramor de Deus! Nem te aproximes. Péssima companhia". Outra coisa que contemplo a partir da minha não-manifestação é a pobreza mental e até mesmo emocional que me rodeia. Fico a pensar no que será que as pessoas pensam. Não de mim, porque de mim pensam mal, mas da vida. E quase que não pensam. Reagem por instinto. O instinto do que devem pensar. É assim. Eu também tenho as minhas coisas. A minha mãe achava extraordinário o meu gosto para as roupas dela. Num dia dizia que era lindo, noutro, a mesma peça de roupa era um horror. Dizia que não percebia como é que tinha mudado de opinião em tão pouco tempo. Também não lhe sabia explicar. Não era racional. Era um instinto reactivo à roupa. Se era paradoxal, paciência. Agora observo que a maioria das pessoas é assim com tudo. Excepto com o futebol, se tiverem uma equipa. Aí são coerentemente irracionais e pouco honestas. Querem lá saber da verdade. Mas bem vistas as coisas, mediante todo o resto, também não querem saber dela para nada, só que expõem uma incoerência com uma cadência quase horária de maneira extraordinária. Não é o vento que faz andar o catavento, é o catavento que anda porque quer. Foi assim que nasceu a minha desconfiança. Num bonito dia de sol. As afirmações taxativas dos outros parecem ecos distorcidos de uma outra coisa qualquer. E é isto, por hoje. E já é muito.
Às vezes sinto-me quase no "não-manifestado", "condição" (é bem mais complexo do que uma condição) que aprendi com René Guénon. Criei um modo de estar que é o produto de uma separação quase radical entre o meu interior e os outros. Falo sempre com os outros segundo a conversa que querem ter. Não escolho temas. Há uma inadaptação ao mundo moderno, ou tal como está, ao nível social. É certo que temos a sorte de viver numa sociedade mais ou menos livre e tolerante. Quando digo esta última frase digo aquilo que o politicamente correcto quer ouvir. E não deixa de não ser verdade, porém, não é toda a verdade... E assim vou falando, meias verdades consoante o interlocutor. Há uns anos dei-me conta da diversidade de gente doida que havia (eu incluída), que só se acalma um pouco quando quer parecer que não está doida e fala de assuntos práticos ou sérios ou as duas coisas com uma compenetração profissional. Depois, à mínima coisa, plim! A loucura espreita, sai da caixinha surpresa, vestida ou nua, tanto faz, está lá. A nossa Ministra da Saúde é completamente passada. Aquela forma de falar foi esculpida em tecnocracia. A forma de se expressar tem vértices e arestas fininhas. Não há curvas na voz, nem sensualidade, nem naturalidade, sequer. Está doida. Varada mesmo. Mas todas as pessoas acham normal. Outra passada é a Cristina Ferreira, a apresentadora. Passou-se. Berra, berra, berra a perseguir audiências. Ninguém vê, mas eu vejo. É outra marada. E há mais. Muitos mais. Talvez menos estridentes, mas com o meu olhar que é um filtro, poucos estão num estado decente. É por esta forma de ver o mundo que o mundo não me devolve muitas amizades. Também esta inquietação ninguém aguenta. É uma inquietação varada e um quietismo em simultâneo assustador. Até eu estranho. Metade de mim está no não-manifestado. Não me manifesto porque como está tudo doido à minha volta penso que não vale a pena. Fico sossegada a ver. O "agir" parece-me idiota se for eu a tomar a iniciativa. É mais ou menos como dizer aos loucos: "Loucos, olhem para mim! Vou agir!" E eles encolhem os ombros e dizem que é mais uma doida. E talvez tenham razão. Esta não-manifestação não foi bem uma escolha, foi uma espécie de consequência. Uma consequência num mundo de doidos. Às vezes gosto de chocar e de dizer coisas como "todos são culpados até prova em contrário". A indignação é geral. Os loucos indignam-se. Estou a pôr em causa o Estado de Direito e ou qualquer coisa assim de muito grave. Mas a realidade é que, bem vistas as coisas, num mundo de doidos é assim que as coisas funcionam. A omissão nunca foi apanágio da verdade. É por dizer estas coisas que tenho poucos amigos. A loucura assumida é bem pior do que a dissimulada, dizem eles. "Somos loucos mas andamos vestidos, agora tu, toda nua, a andar na rua, p'ramor de Deus! Nem te aproximes. Péssima companhia". Outra coisa que contemplo a partir da minha não-manifestação é a pobreza mental e até mesmo emocional que me rodeia. Fico a pensar no que será que as pessoas pensam. Não de mim, porque de mim pensam mal, mas da vida. E quase que não pensam. Reagem por instinto. O instinto do que devem pensar. É assim. Eu também tenho as minhas coisas. A minha mãe achava extraordinário o meu gosto para as roupas dela. Num dia dizia que era lindo, noutro, a mesma peça de roupa era um horror. Dizia que não percebia como é que tinha mudado de opinião em tão pouco tempo. Também não lhe sabia explicar. Não era racional. Era um instinto reactivo à roupa. Se era paradoxal, paciência. Agora observo que a maioria das pessoas é assim com tudo. Excepto com o futebol, se tiverem uma equipa. Aí são coerentemente irracionais e pouco honestas. Querem lá saber da verdade. Mas bem vistas as coisas, mediante todo o resto, também não querem saber dela para nada, só que expõem uma incoerência com uma cadência quase horária de maneira extraordinária. Não é o vento que faz andar o catavento, é o catavento que anda porque quer. Foi assim que nasceu a minha desconfiança. Num bonito dia de sol. As afirmações taxativas dos outros parecem ecos distorcidos de uma outra coisa qualquer. E é isto, por hoje. E já é muito.
A extrema direita, a extrema esquerda, os socialismos e o nenúfar dos deuses.
Pela capa do Correio da Manhã se pode constatar a falta de inteligência que existe na extrema direita portuguesa... A mesma falta que existe nos comunismos que são sempre incentivados a anexar cada vez mais territórios, processo muito semelhante ao do Islão.
Todos eles residem nos "socialismos".
O nenúfar dos deuses é quando existe uma transparência através do qual o ser ou ente que é Portugal se deixa ver e que fica noutra dimensão, muito distante dos socialismos de esquerda ou de direita. Reside na partilha, na troca, no alimento, no trabalho, na poesia e no amor em proporções tais que, de facto, libertam.
Os Conceituados Lá Fora
Um dos argumentos em Portugal para defesa de "artistas plásticos" portugueses cuja obra é uma abominação devido ao mau gosto é a história do facto de ser "Muito Conceituado Lá Fora". Escusado é dizer que lá fora fica esse "estrangeiro" que é a bitola da qualidade para as "artes plásticas" e que por aqui só vivem ignorantes desse ramo artístico. É uma coisa genética. Quem nasce aqui precisa de alguém "lá de fora" que lhe diga o que presta e o que não presta. A forma como abordo esta questão do "desnível" que existe na capacidade de apreciação duma obra entre os portugueses e os de "lá de fora" é igual à forma como abordo o transcendente. Se o transcendente nos transcende, também esta incapacidade genética pertence ao mesmo domínio. Na verdade, o facto de se explicar o ADN nada nos diz sobre a causa do ADN. A vida continua a ser um mistério. O mesmo se passa com o "Conceituado Lá Fora" que gera em Portugal uma proibição de exercer qualquer sentido crítico face às maiores bodegas. Muitos até dos que evocam essa espécie de lei natural (diria mesmo sobrenatural) em defesa das aberrações e abominações podem até dizer-se patriotas, ou com um amor qualquer ao país ou até vestir a camisola da Selecção em jogos de "alto risco" mas no que toca à arte, estendem a mão, como pedintes à opinião alheia, ao critério desse vasto continente qualitativo que fica lá fora a rodear esta pequena ilha com habitantes ignorantes desses assuntos da arte. Os que sofrem de uma ausência de talento genética mas que são compensados pela esperteza depressa vão a correr lá para fora antes de botarem os pés em Portugal. Quando chegam trazem na testa o carimbo bestial do "Conceituado Lá Fora" e podem viver o resto da vida descansados ao sol, no jardim da sua mansão enquanto dispensam, em jeito de favor e que se faz pagar bem, algum do seu conceituado trabalho para as instituições do Regime, dão entrevistas e vão a festas onde alguém irá, por certo, dar uma cotovelada em alguém dizendo, num misto de tremor e temor: "Olha, está ali o Conceituado Lá Fora".
Este é um dos maiores mistérios com que já lidei. E o mais grave é que é um dos maiores mistérios que lida comigo, igualmente. Diariamente. Quer queira, quer não queira, está sempre lá. A pedra no sapato. A incapacidade de entender o que é que significa ser "Conceituado Lá Fora". A minha ignorância é Total.
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