O horror ao vazio é uma das características do espírito barroco, no entanto, para quem nasceu fadado com esse espírito, existe uma diferença fundamental entre o excesso e o essencial. Ainda que tudo no barroco pareça excessivo, para que o seu espírito viva, é afinal, essencial. Tudo está onde deve estar. Na época actual confunde-se excesso com essencial, coisa que o barroco não faz nem nunca fez. O excesso de fantasmas dos outros que já trazem uma vida interior, em princípio, sobrelotada é absolutamente dispensável. Alguém que treme à nossa frente só porque mencionámos qualquer coisa que para essa pessoa faz parte da sua rede de sincronias é alguém sobrelotado em si mesmo querendo extravasar o que há a mais de si para cima de nós, dando-nos um destaque que verdadeiramente não temos a não ser no seu próprio mundo. É assim que as viroses se espalham. O vírus é sintoma do espírito também. Assim, morrer e desaparecer, em linguagem simbólica, pode ser muito mais interessante do que morrer e aparecer. O aparecimento só faz ruído e enche a pintura barroca com o desnecessário. Estraga a pintura, por assim dizer. Ainda para mais, como não há morte, a qualquer momento o nosso próprio fantasma pode fazer as visitas que quiser, onde quiser e a quem quiser. A nossa época não lida bem com esse tipo de liberdade porque essencialmente, segundo a voz geral, temos todos que andar na linha. Se é para morrer, que andemos, quais cisnes, por entre os outros e os seus fantasmas. Como se fosse uma lei, uma obrigação. Ao ser uma obrigação dignificada por outros já é uma pseudo-morte, por mais que o cisne sereno finja que está presente... Na época actual detestam-se pessoas livres porque elas conseguem dar destaque a alguém que não sejam elas próprias. O devido destaque e não essa mistura promíscua de sintomas de sintonias "afantasmadas" que pendem sempre para o lado mais desnorteado. E preciso ter muita coragem para morrer e desaparecer, e voltar como fantasma sempre que nos apetece. Um fantasma que assombra, que faz estremecer, que questiona e que, sobretudo, estrague o espectáculo de vedetismos, esses sim, desalmados, que derramam os seus próprios fantasmas em cima do palco para cima dos outros. O espírito barroco aceita os seus fantasmas. Mas apenas aqueles que pertencem à sua pintura. Os outros, estão a mais. O espírito barroco, é, em si mesmo, essencial. Uns nascem com ele. Outros não.
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