domingo, 22 de setembro de 2019

A angústia de Nietzsche




Dizer a alguém para não reagir a estímulos é já tentar fazer com que alguém reaja ao estímulo do que foi dito. A isto chama-se barbárie. Os bárbaros eram os que vinham de fora. A sua acção era imediata e brutal. Li numa secção de uma editora uma citação de Nietzsche sobre isto. Achei curioso ser Neitzsche, o das terras bárbaras que quis ressuscitar os deuses e matar Deus, a dizer isto. Achei ainda mais curioso vir donde veio. O problema da moralização, quer seja positiva ou negativa, quer use a psicologia ou a psicologia invertida (como está na moda agora dizer-se) é exactamente o mesmo problema que conserva a magia: o seu campo é extraordinariamente limitado. A deificação (como ambição maior dos ressuscitadores de deuses) implica a sua projecção imediata para fora da existência, ou seja, na ilusão de que nessa projecção alcançam o ser, esquecem-se da necessidade de um centro. Se conservarem esse centro, então, os ressuscitadores de deuses, são também os seus assassinos porque no seu campo limitado, não pode existir mais do que um deles (um dos deuses). A mesmíssima coisa se passa com estes seres "moralizantes" que o são a toda a hora, no seu universo fechado: ao instruírem os outros destroem a instrução que almejam. É portanto, evidente, que se lhes dissermos que são lentos (e lentos a perceber as coisas), naturalmente terão a espectável reacção imediata de se sentirem ofendidos e, assim, cai por terra, com um ligeiro sopro, a sua tentativa de impassibilidade que impõem aos outros. São pequenos ditadores que, não tendo alcançado a deificação, (aquilo que se supõe ser o estado mais alto desse caminho), tomam facilmente o lugar de Deus que dizem ter matado. Muitas vezes, para fora, na imagem que querem projectar, dizem ter resolvido este conflito que requer a ressuscitação dos deuses, o seu assassinato, a deificação, a manutenção de Deus e o seu assassinato também. É assim que os ouvimos dizer que, relativamente ao paganismo e ao monoteísmo, "as coisas não são incompatíveis", mas tal frase, bonita e sonante, é arruinada pela sua tentativa quotidiana de moralização. Se, por um lado, defendem a transgressão como legitimação do processo de deificação, por outro, parecem querer assumir o lugar central de um panteão (a serem algum deus teriam de ser Zeus...) o que coloca em causa esse mesmo panteão. É por isso que estes neo-paganismos já nascem com a marca evidente da Igreja Católica da qual nunca se despegaram (a moralização é aliás um tique facilmente constatável) a partir da qual nasceram (e não o inverso) como se tivessem pedido boleia a meio do caminho e não conhecessem, de facto, as origens do que dizem querer ser ou do que dizem, mesmo, ser. Este texto pode ser considerado uma reacção ao estímulo das palavras de Nietzsche, no entanto, a sua maturação é anterior ao acto de as ler. Também assim cai por terra a ideia de que as reações a estímulos são "impensadas" ou são produto da falta de capacidade de "impassibilidade". A impassibilidade é o mesmo que a não-existência, aliás, e é por isso que esta ideia, imposta quotidianamente por tais personagens é composta com o objectivo da morte como inércia e não da morte como motor imóvel. Nem eles próprios são capazes dessa impassibilidade que "propõem" tal como o padre diz "olha para o que eu digo mas não olhes para o que eu faço". A origem é então a mesma: a da Igreja Católica no seu pior. Aliás, a maioria dos neo-paganismos, senão todos, tem origem numa reacção à Igreja Católica e aos fantasmas que produziu o que, convenhamos, é muito pouco. As transgressões são sempre moralizantes e extremamente limitadas no seu domínio de causa e efeito e daí que digam "não serem incompatíveis". É o pensamento dual no seu esplendor. O mesmo fazem as vias "eróticas" com as suas evocações do "eterno feminino", como se fosse domesticável (é mesmo um pensamento instituicional), numa tentativa de domesticação do Espírito de Deus ou do Espírito Santo. O resultado é temporário, fragmentário e inócuo como é a cultura geral dos concursos da televisão. Não há nada mais monótono e monocórdico do que um "fogo" domesticado com vista à realização da obra que, dessa maneira, nunca saírá grande coisa. Toda a grande obra requer momentos ou o momento da via breve (conforme os casos) e as mutações são surpreendentes. O que se passa com este tipo de pensamento neo-pagão é a substituição das Revelações pelas Visualizações. São um espelho da época. Vazio e causador de angústias.

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