quarta-feira, 25 de setembro de 2019
O caranguejo
Geneticamente sou portuguesa, pai, mãe, avós , bisavós, trisavôs e por aí fora. Também o sou por opção. Há muitos portugueses que vivem em Portugal e que nunca chegam a ser portugueses. Gostariam de ser de outra terra qualquer. Há alguns assim... Dentro disso, faço parte de uma elite que quis pensar Portugal. Essa elite leu e lê imensa coisa sobre este país. Dentro dessa elite há ainda os que se arrepiam com coisas pequenas mas que indicam a sua profunda ligação espiritual a este país. É um arrepio total. Os pelos levantam-se todos, às vezes com uma ideia, outras com uma memória do país, com uma música, com um objecto, com uma pessoa, qualquer que seja a sua classe social ou intelectual. Qualquer coisa que nos indique o Portugal Real. Por causa dessa ligação espiritual talvez o sentido crítico para com o país seja mais apurado. No outro dia estava a ver um daqueles programas de entrevistas a uma só pessoa onde acaba sempre por haver lágrimas (vendem bem publicidade). No programa em causa estava a ser entrevistado Fernando Pereira, o imitador. A determinada altura, com uma expressão bastante triste, conta uma história. A história de dois estrangeiros que estão a apanhar caranguejos na praia. Um deles vai pondo os caranguejos num só saco. Ou outro diz-lhe para os dividir por mais sacos porque assim é mais fácil mantê-los, não vá um saco perder-se por fugirem todos. O amigo responde-lhe:
-- Não te preocupes, estes caranguejos são portugueses. Quando um tenta subir, os outros puxam-no logo para baixo.
Parece uma realidade crua, dita talvez por dois ingleses. Conheço bem esse ar inglês, capaz de uma auto-crítica absolutamente firme. Afinal, foi o primeiro ar que respirei, o inglês. Talvez o tenha trazido um pouco comigo e talvez, por isso, saiba reconhecer uma crítica justa quando a ouço, coisa que é muito rara em Portugal. Fernando Pereira estava referir-se ao esforço que tinham feito para o deitar por terra e, em resposta, foi implacável na crítica. Pessoalmente, e com todos os meus genes portugueses (que como se sabe são uma combinação de tudo) penso que fez muito bem em dizer o que disse. Até porque é verdade.
O mesmo tenho sofrido eu. Há uma incompatibilidade com as pessoas diferentes neste país. Uma grande incompatibilidade. Tão grande que, frequentemente, ouço a resposta, a resposta mais estúpida que alguma vez ouvi, a de que "somos todos iguais". Como se existisse um desejo de igualdade constituído pelo resultado de se nivelar tudo por baixo. Pelo mais baixo possível. Apenas por causa da insegurança.
Desde que ouvi essa história, mentalmente, comecei a transformação de algumas personagens em caranguejos. Vejo-as com as suas pinças feitas de insegurança. Inspiro um pouco daquele ar inglês (Fernando Pessoa também teve que o inspirar de vez em quando e ele, sim, é um exemplo), uma espécie de calmante que só faz bem e acabo por voltar para a minha concha onde, de facto, reina alguma justiça. Lá fora, há um espectáculo permanente de insegurança a desaguar na injustiça.
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