sexta-feira, 25 de janeiro de 2019
Pérolas de António Telmo
"1. A criança aprende a falar e, falando, se torna o homem comum que, depois, se o acaso o quer, governa outros homens. Os chefes políticos são como todos os outros homens crianças crescidas. Resultam do desenvolvimento, no plano da linguagem, do instinto de imitação dos adultos que, naturalmente, há em todas as crianças. A família, o ensino público ou privado, o convívio social aproveitam-se desse instinto de imitação, natural ao ser que cresce, para o moldarem automaticamente, senão intencionalmente, ao estar no mundo próprio de adultos que nunca se interrogaram sobre o essencial.
Ser homem e não somente uma criança crescida implica o sentimento da palavra profunda que não chegou a ser aprendida, consiste em "desaprender" o falar que se aprendeu, em se tornar Infante. O Reino da Criança será aquele que, como D. Henrique, possuí o "talent de bien faire". Ao mesmo se refere o povo sábio quando afirma que "quem sabe faz, quem não sabe, ensina".
(...)
2. Por aqui se vê que ao falar do Reino das Crianças, estava muito mais a pensar naquelas que 'nasceram ou nascerão pela segunda vez' do que nesse erro moderno de que a verdade está nos jovens, na sua revolta contra o mundo dos adultos. Quando os jovens casam, logo se adaptam ao mundo dos adultos, à rotina do mundo quotidiano e feminil e tudo fica como d'antes. Em geral, ingressam num partido político, em qualquer forma patriótica ou anti-patriótica de internacionalismo, enganando os impulsos, porventura espontâneos, de liberdade e de direito, fingindo-lhes uma falsa sobrevivência em qualquer espécie instituicionalizada de servidão.
'Nascer outra vez' não significará regressar aos anos de infância, ao domínio infantil da fantasia, àquela espécie rudimentar e primitiva de sensibilidade, informe e nevoenta, que é a criança biológica. 'Nascer outra vez' significará 'nascer no espírito' porque até lá todos nós somos, se o somos, apenas 'esboços de alma', como escreveu Leonardo Coimbra. Ora não é possível nascer no espírito sem receber a influência que desce por aquela linha medial da porta dos Jerónimos, com no alto o Anjo da Face, em baixo o Inferno e entre os dois a Santa Natureza Purificada."
António Telmo, "Capelas Imperfeitas" , Obras Completas, Vol. X, ed . Zéfiro, 2019, pág. 60/61
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