sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Há birra no supermercado



“Ah! Mas o que queremos é recuperar o «espírito» dos Templários!”

Ora bem, ninguém é templário por querer recuperar o espírito seja do que for. Em primeiro lugar o espírito não se “recupera” porque nem está doente, nem é “recuperável”. Ou está ou não está. Em segundo, há aquela noção muito estranha de que o espírito é o auto-convencimento, a sugestão e até mesmo a auto-sugestão. O espírito parece estar muito distante de tudo isso. Conquista-se e não se conquista. Não há diferença entre uma criança que finge ser índio ou cowboy depois de ver um Western e este tipo de “espiritualidade” templária feita à custa de várias imagens e de várias leituras. Como já disse num dos textos deste blogue, se formos por aí, todo o mundo é uma mera e grande sugestão até porque estamos rodeados por símbolos quer tenhamos consciência deles ou não.  Viver a vida com sinceridade parece ser hoje o mais difícil, sem artifícios neo-rituais. Em terceiro, a vontade é surpreendentemente simples e lembramos que a vontade é atributo da Iniciação ao contrário do que se passa no misticismo (como bem apontou Guénon) cujo caminho pode desembocar, ou não, na Iniciação e se o faz é porque sim. Apenas porque sim. Lembro que Dalila Pereira da Costa faz exactamente a mesma distinção como já foi apontado também num texto deste blogue (os interessados que façam o favor de ter vontade e de procurarem porque o facilitismo desta época é a base da inércia que é o oposto da vontade).
A vontade, aqui, aparece como uma palavra isolada porque, neste caso, ela é tudo. Ela não necessita de paramentos, de rituais, de fardas, de armaduras ou de palavras outras, quaisquer que sejam.
Evidentemente que estamos num estado de pré-guerra se é que não é já mesmo de guerra, mas nunca estas foram ganhas com boas intenções (está cheio, está). Elas são travadas com e para o Espírito ou contra ele. Se se parte do princípio de que o Espírito é algo que se perdeu e que tem de ser “recuperado”, então estamos a ver tudo ao contrário. Se se parte do princípio de que o Espírito é obediente ao “auto-convencimento” ou à sugestão auto infligida ou não, então é uma imagem rarefeita e invertida do Espírito, porque definitivamente isso não é Espírito. E se se parte do princípio de que o Espírito pode ser evocado então estamos a falar de magia porque estamos a falar de evocações. Não me parece que o Espírito vá nessa… porque seria contradizer as palavras do Evangelho de Mateus. “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, Eu estarei presente no meio deles”.  “Em meu nome” não é o mesmo que dizer “a chamar por mim”. O nome é uma presença, neste caso, se partirmos do princípio que Cristo é espiritual, então faz sentido e, ou está, ou não está.
Tudo isto se torna deveras complicado porque não estamos a falar de crianças que “querem” e são até capazes de fazer birra no supermercado. O terreno é quase paradoxal sem chegar a sê-lo. Conquista-se e não se conquista. A vontade é uma palavra isolada de tudo e, no seu último grau (na sua elevação máxima) é união.
Deste modo podemos dizer que esta onda neo-templária é produto da política, com o seu modo de ser desenraizado, sem espírito (está perdido, não é? Um pormenor engraçado: a Catarina a quem dou explicações, disse-me no outro dia que tinha pena de ter deixado de ser um espermatozoide porque, por causa disso, tinha que fazer os trabalhos de casa – cada um sabe o que perdeu…), sem sabedoria e, quando é assim, mais vale reconduzir as pessoas à realidade, colocando-as a limpar o chão, a lavar a louça, a fazer os trabalhos de casa e coisas assim, até que… talvez sim, talvez não. Depende da vontade e de como é escutada. E do “porque sim”, claro. Pelo menos é uma forma sincera de estar na vida, ou de fazer um trabalho honesto como diz o povo.


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