Pintura de Cynthia Guimarães Taveira
Ainda alguns hão-de deixar arcas sabendo que a sua acção
só pode ser reservada num mundo dissolvido e no qual a política se imiscui em
tudo, até nos mais inocentes actos como a escolha de um nome, de uma cor, de
uma palavra. A política avessa e contrária ao espírito gravada na consciência
dos homens como sendo o mais elevado, a mais elevada aspiração, a mais gloriosa
das lutas e guerras a travar.
Neste meu quarto, onde ouço tudo amplificado, mais tarde ou mais cedo, as palavras que parecem grandes, os gestos que parecem nobres, têm na sua raiz a política, a ideologia, a escolha democrática obrigatória para quem se quer dizer gente porque assim foram educados desde o 25 de Abril e desde o antes 25 de Abril. Homem que é homem, mulher que é mulher, define-se politicamente.
Neste meu quarto, onde ouço tudo amplificado, mais tarde ou mais cedo, as palavras que parecem grandes, os gestos que parecem nobres, têm na sua raiz a política, a ideologia, a escolha democrática obrigatória para quem se quer dizer gente porque assim foram educados desde o 25 de Abril e desde o antes 25 de Abril. Homem que é homem, mulher que é mulher, define-se politicamente.
Quando nos encontramos com o passado e com as horas nele passadas a trabalhar para aquilo que nascemos, porque o outro tipo de trabalho é só fadiga, tédio e perda de tempo, quando entendemos que esse trabalho é desconhecido, resta a arca que guarda o arcano e o arcaico, quer seja uma arca visível ou invisível. Na realidade, tanto faz.
O gosto do lucro, do prestígio e do poder, sem contar com o
da imortalidade mais frágil de todas que é a da memória, de se ficar com o
nome preso a uma qualquer memória, qualquer encantamento temporário, torna em ouro tudo o que não é isso, como a
outra face de Saturno, o outro tempo que não este escorreito e dos quais Saturno é ambos
senhor. A arca é uma responsabilidade voluntária meramente pessoal. Nada nem ninguém
obriga a ela uma vez estando feito algum trabalho.
Imagino uma série de Noés, com barba longa em fila indiana,
guardando pedaços da sua viagem, não vá a humanidade precisar deles quando
resolver crescer qualitativamente, coisa que não o tem feito.
O presente torna-se um mero subterfúgio para esse envolver
em panos, em rito funerário e protector, o corpo das obras, mais para os outros
do que para Deus, porque Deus já as viu.
A arca é sempre um berço reunindo forças. Se há coisa de
valor nesta época é esta espécie de solidão benéfica atingida e em que alguns
são largados. Aí, encontram-se nos seus olhos as suas experiências e os seus
entusiasmos escutados apenas acima deles, sem intervenções políticas que são
sempre transitórias e mudam de lugar no xadrez do mundo que é feito de tempo e
de espaço. O tempo contribui muito mais para esse jogo de xadrez do que se
supõe porque o tempo é essencialmente memória e fadiga.
Alguns tiveram a sorte de ter tido um percurso tão rico e
tão simbólico que permite que a arqueologia do seu próprio passado seja uma revelação,
ou uma série delas. Esses, quando se
olham ao espelho, são caleidoscópios vivos, mas que só a eles dizem respeito. Hoje
os homens odeiam-se porque têm medo. Os que não se odeiam têm passado e os que
amam têm futuro. São, esses os mais reservados, boas colheitas, na cave que é
caverna onde é guardada a Luz do Espírito.
Adorei. Bom dia!
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