sábado, 30 de novembro de 2019
A paisagem
Há mais um desiludido com a sala de baile. Esse, tinha dançado até que os pés lhe sangrassem como o Fred Astaire. Tinha até dançado com as três Marias, as rainhas do baile, mas agora, está no avarandado que dá sobre o crepúsculo ou o amanhecer, não sabemos bem, que é para onde vão aqueles que precisam de respirar ar fresco. Está a dizer que os assentos das cadeiras não são grande coisa e que prefere estar debruçado no parapeito, entre colunas, a fumar o seu cigarro. Quando se está no avarandado com aquela luz, as regras deixam de fazer sentido, e ali, pode estar sossegado a falar e a pensar sem ter que andar aos saltos. Ali, onde vão parar os desiludidos é um lugar especial. Outra perspectiva, outra visão das coisas. Neste momento fala da música, mal escolhida e mal tocada. E das máscaras. Era suposto ser um baile de máscaras, mas, a pouco e pouco elas foram caindo até que a zebra com quem estava a dançar se tinha revelado um cão de guarda, o elefante, seu amigo, um galo idiota, a avestruz da Maria, um aranhiço, engraçado, mas incapaz de uma pirueta verdadeira. Não deixara de ser um zoo, mas a graça que as máscaras tinham, tinha desaparecido e agora havia penas por todo o lado, poeira, os peixes tentavam comer-se uns aos outros e perseguiam-se com oratórias. Não deixara de ser uma fábula, mas extremamente cansativa. A dança nem sequer chegava a ter a dignidade da ginástica rítmica. Estava ali, com o seu copo de vinho, a única coisa que tinha trazido lá de dentro, e contemplava aquela cor no horizonte que permitia que o recorte das árvores contra o céu parecesse verde muito escuro enquanto as primeiras estrelas apareciam a cintilar. Lá em baixo, um lago com cisnes espelhava a alvura tímida da sua penugem. Tudo lhe pareceu mais nítido. Tudo ficou mais nítido enquanto os minutos avançavam. A noite, surgiu-lhe com constelações infinitas sobrepostas, o manto da cúpula do céu desvendava a natureza do seu disfarce e onde havia trevas passou a existir luz. Um dos amigos disse-lhe então:
"Então já descobriste este lugar? Não esperava isso de ti... Sabes que podes entrar e sair quando quiseres."
E sorriu para longe em direcção ao sol que já se adivinhava.
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Lindo. Bom dia!!!
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