sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Há coisas deliciosas


Hoje em conversa com um amigo veio à baila o tema da juventude e dois tópicos associados a ela: a internet, com redes sociais incluídas e o desinteresse da mesma por congressos, palestras com temas de rondavam as áreas que estudam. Já sabia desse desinteresse geral em ir a "eventos" onde as pessoas vivas e ao vivo aparecem para falar e dar parte do seu tempo e também já sabia que se diz nos estudos mais avançados ligados à sociologia que a virtualidade é encarada como realidade, porque tem efeitos na realidade. A páginas tantas, lembro-me ter dito que a "virtualidade" se podia desligar (evidentemente que a realidade vivida realmente também se pode desligar quando as pessoas morrem, mas isso é um caso extremo) e de o meu interlocutor, envolvido nessas leituras, ter ficado a pensar no assunto. Minutos antes, com outro interlocutor, tinha vindo à conversa o facto da juventude não ler por estar sempre nas redes sociais e nos canais disto e daquilo da internet. Evidentemente que não chegámos a conclusão nem a solução nenhuma, até porque não existe. Aquilo que existe são consequências desses factos. As próximas gerações estarão cá para falar sobre isso. Eu, felizmente, não, nem tenho soluções ou indicações a dar. No meu egoísmo profundo, que tem toda a razão de ser depois de anos a falar e a escrever para coisa nenhuma, posso apenas dizer que não sabem, estes jovens rápidos digitais, o que perdem: mundos riquíssimos internos que podiam ser seus e outros ainda que podiam também conhecer através dos outros. E perdem ainda mais: a natureza, o pensamento, a meditação, a beleza, a harmonia, as essências, o dom da palavra... E nada se pode fazer. Provavelmente uma minoria, muito minoria mesmo, numa geração futura, escapar-se-á destes modos de estar "à beira do abismo ligado à corrente eléctrica" será ela, provavelmente, que terá de escrever e falar das consequências desse modo de vida e não gostaria de estar no lugar deles por ser extremamente cansativo explicar o óbvio a pessoas que nem o óbvio apreendem. Ao contrário do que possa parecer, não me sinto "velha" por não acompanhar tudo o que aparece de novo na tecnologia. Qualquer pessoa normal, às tantas, e com esta aceleração, troca o passo, tropeça e perde o ritmo, e isso vai acontecer a qualquer um destes jovens que são tão promissores por tanto estarem ligados à corrente. Um pouco como os nossos pais que já não entenderam nada de computadores e nunca tiveram de cartões de multibanco. Também a estes jovens virá o tempo em que o telemóvel de última geração que agora possuem seja uma recordação longínqua sem que entendam o telemóvel da sua velhice ou o chip que alguns jovens trazem incorporados numa sobrancelha onde dantes se colocavam um piercing. Não estou preocupada com isso, nem com as consequências disso. A humanidade é maior e vacinada e lá sabe o que faz (ou não sabe, como aconteceu com humanidades antecedentes). Se andasse aqui para salvar almas ou pessoas ou partes de pessoas ter-me-iam sido dados dons nesse sentido, coisa que não aconteceu. A única coisa que posso fazer é dizer: "Que pena, não sabem o que perdem". Mas o mesmo já digo dos meus vizinhos de baixo que não pegam num livro (dizem que os livros só trazem pó) nem têm um pensamento que vá mais longe do que a novela ou o futebol, o que é uma pena. O século XX apregoou a educação para todos. É verdade que os meus vizinhos de baixo sabem ler e escrever ao contrário dos seus pais, mas de pouco ou nada lhes serviu a não ser para irem às compras, lerem o rótulos ou deitarem contas à vida. É verdade que esta juventude tem a informação que quer e lhe apetece se tocar nos aparelhos. De resto, falta-lhes tudo. Quando os males sociais são endógenos não há artifício que os valham. As grandes questões humanas, por seu lado, continuam vivas e à procura de resposta. O que é uma esperança. E uma maçada. E dão muito trabalho. Não são fáceis. Mas são deliciosas.

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