Com a sabedoria com que Dalila Pereira da Costa observava o mundo, disse-me um dia, depois de observar as minhas pinturas expostas numa livraria do Porto: "A Cynthia é indiana". Ri-me, achei graça. Mas devia ter tomado mais atenção às palavras dessa grande senhora. Na verdade, a sensibilidade ocidental não percebe nada do que pinto. Até mesmo os ocidentais orientalizados não compreendem. Já mostrei pinturas a chineses que entenderam logo. O meu público nunca será este dos ocidentes. A não ser que sejam pessoas que, pela experiência ou pelo nascimento, saibam do movimento que há no extático e do repouso que há no movimento. Essência do ritual. E saibam, sobretudo, da luz. Interior, claro. Há mais de um ano que não pego num pincel. Dediquei-me ao estudo. As pinturas não servem a ninguém (a não ser a Deus) e o estudo, ao menos, serve para mim, pensei. Sempre alternei palavras com pinturas. Também me canso da incompreensão da pintura e do consequente isolamento. Os textos a bem dizer também não têm respostas, mesmo sendo todos perguntas, a não ser do cosmos que se farta de comentar. Nem preciso da interpretação de ninguém, mal escrevo, aparece logo uma enxurrada de coincidências às quais não ligo muito. Hoje vi uma reportagem sobre o Conservatório das Artes de Loures na SIC. Até chorei. Isto de retirar as crianças de contextos problemáticos e dos atirar à Arte que os devora e os transforma é das coisas mais bonitas que há. Sinto que quem faz isso merecia várias medalhas ao contrário de muitos medalhados. Às vezes gostava de ser assim, de levar um bando de crianças pela mão e de as fazer voar. Mas sei que não sou capaz. A única coisa que sou capaz é de ser uma pessoa normal sem grandeza suficientemente externa para mudar o mundo. Nunca mudarei o mundo. Para o mudar é preciso estar dentro dele. Estou sempre na periferia a pensar que o mundo é o mar com muitos peixes que se cruzam no passeios dos destinos. Fico sentada na periferia, com um olho nas estrelas e o outro no mar (um pé numa galera e o outro no fundo do mar - lembrei-me de Jorge Palma), mas não é bem nem uma galera nem é bem o fundo do mar. É mesmo o mar todo e todas as estrelas. Suspensa, entre a escrita, o estudo e a pintura. Os gestos são tão pequenos que só Deus vê. E alguns anjos se tropeçarem neles. Quem me manda ser indiana aqui?
domingo, 24 de novembro de 2019
Quem me manda?
Com a sabedoria com que Dalila Pereira da Costa observava o mundo, disse-me um dia, depois de observar as minhas pinturas expostas numa livraria do Porto: "A Cynthia é indiana". Ri-me, achei graça. Mas devia ter tomado mais atenção às palavras dessa grande senhora. Na verdade, a sensibilidade ocidental não percebe nada do que pinto. Até mesmo os ocidentais orientalizados não compreendem. Já mostrei pinturas a chineses que entenderam logo. O meu público nunca será este dos ocidentes. A não ser que sejam pessoas que, pela experiência ou pelo nascimento, saibam do movimento que há no extático e do repouso que há no movimento. Essência do ritual. E saibam, sobretudo, da luz. Interior, claro. Há mais de um ano que não pego num pincel. Dediquei-me ao estudo. As pinturas não servem a ninguém (a não ser a Deus) e o estudo, ao menos, serve para mim, pensei. Sempre alternei palavras com pinturas. Também me canso da incompreensão da pintura e do consequente isolamento. Os textos a bem dizer também não têm respostas, mesmo sendo todos perguntas, a não ser do cosmos que se farta de comentar. Nem preciso da interpretação de ninguém, mal escrevo, aparece logo uma enxurrada de coincidências às quais não ligo muito. Hoje vi uma reportagem sobre o Conservatório das Artes de Loures na SIC. Até chorei. Isto de retirar as crianças de contextos problemáticos e dos atirar à Arte que os devora e os transforma é das coisas mais bonitas que há. Sinto que quem faz isso merecia várias medalhas ao contrário de muitos medalhados. Às vezes gostava de ser assim, de levar um bando de crianças pela mão e de as fazer voar. Mas sei que não sou capaz. A única coisa que sou capaz é de ser uma pessoa normal sem grandeza suficientemente externa para mudar o mundo. Nunca mudarei o mundo. Para o mudar é preciso estar dentro dele. Estou sempre na periferia a pensar que o mundo é o mar com muitos peixes que se cruzam no passeios dos destinos. Fico sentada na periferia, com um olho nas estrelas e o outro no mar (um pé numa galera e o outro no fundo do mar - lembrei-me de Jorge Palma), mas não é bem nem uma galera nem é bem o fundo do mar. É mesmo o mar todo e todas as estrelas. Suspensa, entre a escrita, o estudo e a pintura. Os gestos são tão pequenos que só Deus vê. E alguns anjos se tropeçarem neles. Quem me manda ser indiana aqui?
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