Como suaves recordações sem época
E delas guardo todos os sons e todas as cores
Nada permite saber o quão violentos foram
O quão desagradáveis se mostraram
O quanto implacáveis e cruéis se revelaram
Nada, não, minto
O coração tem um centro inexplicável
E pulsa como uma dança
E é o vulto que se esconde
O que Viu
Mas nas actas desta História
Constam testemunhas cegas
Outras surdas
E outras de coração morto
E nelas que aparecem nos arquivos
Escritos com palavras trocadas
As histórias erradas de uma história desconhecida...
O meu coração é a demonstração de um salto mortal em chaga
Uma reviravolta no ar quando tudo parecia ir em direcção ao abismo
Um voo súbito, inesperado, atento e fiel
A noite da alma que me impingiram não cobre as estrelas
Não apaga o caminho
Não torna coxo o caminhante
Não altera uma vírgula na página que foi escrita
E somente são vistos agora
Os profundamente desagradáveis e nauseabundos
Como escórias ininterruptas que não mudam a sua condição
Por falta de coragem, lucidez e de amor
A História paralela foi-me contada pelos anjos
Que não falaram
Mas que me forçaram aos passos
E forçaram-me a voltar a face
E forçaram-me a ir em frente
Não queiram saber o que é esta vontade que não é a nossa
Que nos escolhe os passos
Que nos diz o inacreditável
A verdade mais improvável
É um susto
É viver constantemente em susto
Pela responsabilidade do sangue que circula nas veias
Pela autenticidade desses anjos que
Chegam a passar pelo meu corpo
A dar-me a mão porque a sinto
Há qualquer coisa nas palavras esotéricas actuais que não bate certo
É o facto de serem fórmulas matemáticas sem actualidade
Porque a actualidade verdadeira e não pré-formulada
É inesperada, absolutamente inesperada
Não é esquemática
Não diz coisas como “Não podemos olhar o sol de frente”
E outras barbaridades do género
A audácia do céu não se compromete com fórmulas
No diz que disse dos livros
Na vantagem da última palavra que é sempre a última cartada
Não, nada disso
A liberdade que se respira é total
O ar é feito de outro modo
Não há perdição
A bandalheira das fórmulas e dos sistemas
Permite a infestação do Corpo e o Espírito não desce
Desta História original ninguém sabe
Feita de retorcidos encontros
Feita de passos presos aos anjos
Se chorasse seria Ísis, choraria um rio
Se me risse seria a brilho de todas as estrelas juntas que há no universo
Mas não posso
Nem consigo
Nem me deixam
Nem eu quero
Nem tenho espaço para o sonho tal o tamanho da realidade que me impõem
O sonho aparece como uma fuga, uma alienação
A realidade imposta tem o peso de um sonho maior do que o meu corpo
Tudo é diametralmente oposto ao que se pensa que é
E há quem me acompanhe neste destino
Neste rigoroso destino
Neste fim do mundo
E me situe logo que duvido
E me esclareça logo que não veja
E me lembre o propósito
E inaugure em mim, sempre, uma Nova Era