quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Eu dou-te o arroz doce

 

   A doce crítica à crítica pura e a crítica pura à doce crítica

Imbuídos de espírito dos novos ares de uma época aquariana e dissolvidos em New Age, mesmo sem o saberem, disparam, com incrível doçura, uma delicada crítica à crítica pura quando esta última se afasta de tal espírito nas suas formulações. A crítica doce à pura crítica, surge como uma carícia no rosto, um sorriso oscilante entre o paternalista e o condenatório, rematado com reticências quando escrito ou com um silêncio duro quando dito. A doce crítica à crítica pura nunca é  abrasada, inflamada, ardente. Parece-se mais com um copo de água fria despejado lentamente na inflamada língua porque nunca chama os bois pelos nomes. A doce crítica é anti-tourada e, como tal, prefere a extinção dos touros à tourada engalanada com plumas e rendados vistosos por ser demasiado cruel para os bichos e, apoiada na ignorância, ela surge com a simplicidade dos que alegam ser simples da maneira mais vistosa possível. Os bois não devem ser chamados pelos nomes, isso cria demasiado estrondo nos seus ouvidos simples preparados apenas para os passarinhos e para as borboletas. Essa doce crítica fica encantada quando pode manipular. Mas docemente. Nunca choca embora, subliminarmente, haja uma crueldade que não se encontra na crítica pura de coração grande e que se importa, de facto, com a extinção dos touros. A doce crítica aparece sempre com muita luz e muita paz e um sorriso tranquilizador. Uma aura de santidade desejada é desenhada acima das palavras agregadoras de pessoas à sua volta. A única crítica a que se sujeita é à do elogio. Ninguém tem coragem para descrever a doce crítica tal como ela é. Os que a ela se agregam, como gotas de mercúrio, também querem essa doçura, esse consolo que os eleva acima da realidade e da humanidade, que os transporta para esse sonho demasiado pensado e construído. O pão de molho para a açorda que promete sesta, as papas de sarrabulho que fazem dormir pela manhã, o leite maternal digestivo para a noite, o açúcar na chucha a qualquer hora do dia e o paraíso aqui tão perto da realidade e da mediocridade. A doce crítica esgana-me, faz com que me nasçam caretas, e atiro-lhe as palavras num berro: "Então não vê que isso está tudo mal?", muito ao contrário de algo como: "Aí! Quanto barulho! A melodia, a melodia... Onde está?", palavras estas coadjuvantes do tal sorriso doce, paternalista com um ligeiro, suave e subtil sotaque a crueldade. A doce crítica é tão criticável como qualquer outra, afinal.



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