quinta-feira, 30 de setembro de 2021

NIcho

 

Para além das capelinhas, este país tornou-se também no país dos nichos. “Nicho” é uma palavra engraçada porque nele, pode caber apenas uma pessoa, como cem ou mil, dependendo do número da população ou da temática a que se refere. Há livrarias só dedicadas à poesia e são normalmente apelidadas de nicho embora a poesia em si seja um imenso portão sobre o universo. As capelinhas estão normalmente dedicadas aos favores, os nichos são dedicados à exclusividade. O exclusivo é sempre um artigo de luxo. É algo que contraria o número. Dentro das capelas podem existir nichos, lugares onde os crentes se dirigem especialmente esquecendo, por instantes, a capela inteira. Um nicho é um lugar de fé e de concentração de forças. Um lugar íntimo, reservado, longe dos olhares dos frequentadores do culto apenas ao Domingo. Um nicho é um local onde se está bem, tanto a sós como acompanhado. Já a capela requer imensos jogos de cintura, frequentemente agradar a gregos e a troianos e também requer a separação dos crentes apenas no nicho, dos restantes que acreditam e estão apegados a tudo. Há situações na vida em que descobrimos que somos um nicho em nós mesmos. Estou certa que a maior parte das pessoas já se sentiu “anichado” em si, colocado de parte, auto-colocado de parte. Essas alturas são fundamentais para o nosso reencontro connosco e com os outros que podem ou não estar no mesmo nicho. O nicho tem qualquer coisa de ninho, estar anichado ou aninhado anda ela por ela. Não é bem o sótão que, como observou Gilbert Durant, é o lugar os amuos. No nicho pode-se estar muito bem, porque o nicho é o espaço interior, absolutamente protegido dos malvados, dos agitadores e dos capelistas. No nicho somos como somos sem responder a ninguém se não quisermos. Nem responder por ninguém se não quisermos também. É um espaço cheio de qualidade e com chaves de ouro difíceis de encontrar. Quem tem uma capela tem quase tudo, quem tem um nicho tem tudo e, no entanto, o nicho está dentro da capela como uma pinta do tau, só para indicar que o pequeno é latente e que, mais tarde ou mais cedo, deixará de o ser. As pintas pretas e brancas do Tau são exclusivos. Altos Cargos. Mestres em si próprios e de si próprios. O nicho é fundamental na civilização actual desde que nunca seja confundido com uma capela. Quando o é, deixa de ser nicho e passa a participar na roda louca da existência decadente desta época. E, ao fazê-lo dá por si a separar naturalmente as águas separando os crentes apenas num nicho, dos restantes que acreditam e estão apegados a tudo mas não são tudo como é a poesia-nicho avarandada sobre o universo. Os capelistas chateiam-se frequentemente com os anichados porque não suportam a liberdade e não fazem ideia do que é um centro ou onde ele se situa na circunferência. Possuem uma falha geométrica, uma espécie de cegueira que pode ser hereditária e/ou contagiosa se deixarmos... mas não deixamos. 

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