sábado, 25 de setembro de 2021

Saudou


 Deste três passos. Paraste. Olhaste.

Deste mais dois passos. Paraste. Olhaste. Deste um e não te mexeste mais com o olhar fixo. Tão fixo. 

Quando se nasce com pouco, o mundo tem um sentido. Quando se nasce com muito, o mundo ganha todos os sentidos que lhe quiseres dar e que ele tem. Nascer no centro da rosa dos ventos. Ouvir, sentir todos os ventos como um diamante que os consegue traduzir em luz. Há lugares que são centros e que, quando se encontram com pessoas que também são centros, imediatamente todos os vendavais se levantam. O motor, primeiro devagar, depois mais acelerado, começa a girar, e nunca sabemos onde é que a sua força centrifuga vai parar.

Esta era a quinta do Anjo. Onde o Anjo pousou. Fechou as asas e contemplou o mar, nem demasiado perto nem demasiado longe dele. O suficiente para que pudesse existir um jardim que florisse para além do sal. O suficiente para que a tal rosa se erguesse por entre as pedras. A rosa é Portugal. O seu lado feminino e oculto, como uma discreta lua, atenta, luminosa e misteriosa. A rosa tem aquele vermelho profundo, quase negro, mas cuja densidade é a da própria essência do sangue.

Conhecemos todas as épocas deste território. E se erguemos uma pétala são memórias vivas que se levantam do sono. Até o sonho do futuro anda por entre as pessoas que não sabem nada do que se passa por entre elas. E por dentro delas.

Este país parece um soluço. Este país parece-se tanto com o nosso coração. Este país está no centro da rosa dos ventos. Conhece a distancia entre si e todos os infernos e todos os paraísos. Este país ouve os risos da ignorância e pressente os silêncios da sabedoria.

As palavras são penas leves e diz o povo analfabeto que o vento as leva. Mas são lidas pelas rochas que as fixam para sempre.

Oscila o Portugal entre a terra e o mar, as grutas que guardam o início e o céu luminoso com a estrela-mãe e com todas elas.

Portugal é para escavar com as mãos, e deixar o suor cobrir as rochas e as lágrimas soltas ao mar. Só assim se descobre, por entre as pedras, a rosa vertical, de longo caule, tão longo que toca o céu. A crença imensa dela é a certeza de uma autêntica origem.

O Anjo pousou aqui. No cimo da colina. Quieto e tão verdadeiro como a rosa imaginada pela rocha. O anjo Saudou a Saudade. 

Sem comentários:

Enviar um comentário