Uma das coisas que mais me assusta é a consciência política das pessoas que me rodeiam. Todos têm uma consciência política, desde os mais esquerdistas aos mais de direita, todos têm uma veemência na declaração dessa consciência que quase me intimida. Para quem nasceu com uma inconsciência política como eu (um rei bastava-me) chego a sentir-me o retrato vivo do não enquadramento. Para quem é assim, ao ouvir essas declarações vivazes e sempre pertinentemente demonstradas com lógica e abençoada com sentimentos altruístas, a sensação com que se fica é a de que são todos iguais e que, colocando os argumentos numa balança, têm todos o mesmo peso. É um dos problemas da Democracia, embora quem seja democrata convicto não pense ser esse um problema, mas sim, a mais alta virtude desse Regime. Um adepto do capitalismo em defesa do povo é igual a um adepto do socialismo ou do poder do Estado em defesa do povo. De tanto os ouvir já conheço todos os argumentos de trás para a frente e sei que isso acaba por dar um sono tremendo, mais cedo ou mais tarde, só possível de ser compensado com uma alienação bafienta patente nos filmes de acção onde, por instantes, participamos no e do heroísmo da personagem principal para compensar a carência de heróis que uma Democracia que se preze sempre contém. Da mesma forma que Humberto Eco falou da compensação que as séries e filmes sobre crimes e justiça trazem às pessoas que, naturalmente, se sentem injustiçadas, o mesmo se poderá dizer desta carência de heróis ditada pela democracia que, se se der o acaso de os ver nascer, imediatamente os reduz a todos a um denominador comum e igualitário, afinal a Mãe Coragem vale tanto como Hércules ou Ulisses. Os heróis somos todos nós porque a cristandade colocou uma cruz às costas de todos e todos somos iguais. Até no heroísmo. E daí que haja carência de heróis. A vantagem de D. Sebastião é de não ser herói coisa nenhuma porque perdeu a batalha, nem de ser mártir porque não salvou a pátria dos Espanhóis. A vantagem dele é de ser um Rei-mMessias, quem sabe Cristo Ele Mesmo (e para alguns, Cristo Ele Mesmo, era uma encarnação de Elias Ele Mesmo) que nos retira a cruz e a leva ele consigo com a vantagem de não necessitar de morrer porque isso já o fez. A forma como me sinto intimidada pelas pessoas com opiniões vincadas sobre política talvez advenha de sentir que, há medida que falam, esperam o meu apoio, o meu aplauso porque isso, de alguma forma, os tranquiliza: o número de apoiantes é muito importante em democracia. A qualidade deles, nem por isso. Não é de uma forma cínica que lá vou abanando a cabeça para cima e para baixo, qual cão de peluche de viagem de carro dos anos setenta, à medida que eles se exprimem numa musicalidade que já conheço bem, devagar, mais depressa, mais alto, descendo devagar, abrandar e, por fim, elevar. Não, não é com cinismo, é mesmo um tique de cão de Pavloff, a democracia a isso obriga e, quando o faço tenho a sensação de estar a bebericar um cocktail, entre o ligeiramente divertida, o ligeiramente distraída e o ligeiramente tonta devido ao Gin ou Rum ou o que quer de alcoólico que o componha. Depois, saio do bar, ainda a rir a a acenar e aproximo-me do cais. Aí contemplo o brilho da lua nas águas e assemelho-me a ela, tão bela "por se tornar na coisa amada", que é o seu sol. E aí, lhes respondo, porque nesse cais de embarque para todas as viagens possíveis já ninguém me pode ouvir e dizer que estou "tocada": "O que gostava mesmo era de um rei que nos tornasse a todos reis... Centros de nós próprios". A minha opinião política é inexistente. Em anarquias divinas não há opiniões políticas. Se dissesse isto aos meus interlocutores estes responder-me-iam que isso não era para este mundo. Pois não. Não é para este mundo tal como está. Todos têm uma opinião, mas falta-lhes o centro de si próprios que é o centro de todas as coisas, inclusivamente dos outros. Não, não é cinismo aquilo que sinto quando os ouço, é mesmo fazer meia para passar o tempo porque tenho a certeza de que o tempo passa como vento aos meus pés e que a minha cabeça não está nas nuvens, está acima delas, onde se pode contemplar o Sol, o astro-rei. Fazer meia é algo de muito sério. Por aqui, dizem-me que é um acto de resistência, coisa que me incomoda sobremaneira e ao que respondo: "Resistir para que o mundo me diga que devo resistir? Qual o sentido disso?" Não, fazer meia não é resistir, é não existir. É muito mais forte e violento do que uma simples resistência. Não é desistir. É pura e simplesmente não existir. É negar a minha existência com todas as forças. É não pertencer a este mundo. É ser uma imagem sem profundidade. Uma mensagem sem mensagem. Um acto de total e absoluta loucura. É estar na mais profunda escuridão. Tal e qual D. Sebastião. Os resistentes estão em guerra, os que desistem, fazem parte dela também. Os não existentes, não existem. Não são nomeados, não discutem, não erguem a espada. Fazem meia, numa cadeira de baloiço, para cá e para lá, como o cão de peluche do carro dos anos setenta. Não existem. É por isso que sou Sebastianista. Profundamente Sebastianista. Porque estou com ele e como ele. A fazer meia. A alta costura é para os costureiros da vida. Fazer meia é estar ao sol na mais profunda sombra.
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