segunda-feira, 8 de abril de 2019

O contexto de vidro



Na obra "Não lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade" de Marc Augé, esses "não-lugares" são definidos assim:
"O não lugar é diametralmente oposto ao lar, à residência, ao espaço personalizado. É representado pelos espaços públicos de rápida circulação, como aeroportos, rodoviárias, estações de metro, e pelos meios de transporte – mas também pelas grandes cadeias de hotéis e supermercados."
Já tem quase três décadas, este livrinho, e na altura, já elevava Marc Augé, esses espaços públicos, a uma época que apelidou de "supermodernidade".
Esses espaços tornaram-se o contexto. É o nosso contexto e malfadado contexto. Ontem vi  Paulo Portas fazer o elogio assolapado a um edifício novo construído em Nova Iorque que vai ser um Centro de Artes ou coisa que o valha. Compreendo, ( porque também aprecio), que Paulo Portas aprecie cinema americano (no entanto cada vez gosto mais do francês e até do espanhol que renasceu sem efeitos especiais) mas ele confunde as coisas. Não foram os americanos, nem são, aqueles que nos ensinaram o que é a liberdade. Já sabíamos o que era isso muito antes de a América ser o que é. Por outro lado, o edifício não é mais do que um aglomerado de vidro pós-pós-pós moderno, sem eira nem beira como são a maior parte dos edifícios com estes "pós" - que com tanto pó ainda ficam em pó. Estes "centros de arte", tendem a ser locais de passagem, uma espécie de "ocorrência" parecida com a da Disneylândia, só que em vez de cabeçorras de animais antropomorfizados temos "a cultura"  exibicionista e não exibida, aberta a todos - Paulo Portas fez questão de assinalar que havia lugar para os mais "desfavorecidos" poderem frequentar o tal espaço (na América os mais favorecidos são profundamente ignorantes e os mais desfavorecidos estão demasiado ocupados a tentar deixar de o ser para se importarem com "cultura"). Em suma, um centro de artes, feito de vidro, gelado, com linhas rectas assimétricas (a assemitria é previlégio das linhas curvas e para o ser das rectas é necessária muita arte e perceber muito das curvas) feito pela "imaginação" de um ou mais arquitectos, sem a mínima formação relativamente ao espaço qualitativo. E é o mesmo Paulo Portas, que considero inteligente, que nos vem informar, no mesmo espaço semanal de comentário, que os Japoneses estiveram um ano à procura de um lema, tendo sido esse lema escolhido sob a forma de palavras que remetiam para a Harmonia... justificando o comentador imediatamente que esse "apelo" à harmonia se deve ao crescente poderio chinês. Poderia ter aproveitado, o comentador, para falar no "todo" que a harmonia pode constituir segundo o ponto de vista oriental e não apenas da parte política. É que há coisas que se não forem explicadas, ninguém entende nada e pode-se apenas pensar numa espécie de "tréguas", apenas económicas, porque a economia é a verdadeira guerra hoje e a única política.
Um edifício que é mais uma aberração para as pessoas passarem o tempo e que justificaria palavras mais profundas, cai na velha fórmula de "quando mais ligeiro o comentário", mais depressa se vai para casa. Assunto resolvido.  A cultura tende a ser um passatempo porque somos todos crianças e temos que nos entreter com qualquer coisa. Lembro-me de passar por certas ruínas, em várias partes do mundo e de perceber que, mesmo sendo ruínas, a força do lugar, a memória, e a transmissão de conhecimento ainda eram passíveis de serem apreendidas. Dirão que era mera sugestão e que nestes edifícios novos que albergam  uma panóplia de elementos de cultura, o mesmo se passa. Não penso assim. Ou melhor, não sinto assim. O perfil de uma personalidade, de um estilo, de um rosto, é a marca dos conhecimentos da própria época, da sua sensibilidade, do seu maior ou menor requinte, da sua aproximação a uma espécie de glória (e o que é a glória, hoje? O Ronaldo?). Estes novos não lugares, já não estão só nos locais de passagem, estão por todo o contexto. Até dentro das casas que cada vez menos são lares por onde a televisão, igual para todos, entra com as casas das Cristinas artificiais ou mesmo as casas próprias dos Gouchas que hão-de servir de modelo a outras tantas. As ideias, liberais em extremo e os socialismos vários, são o contexto. São a marca da despersonalização. Incapazes de criar, aglomeram a cultura em armazéns de vidro e pó. Tão frágeis e falsos. Os socialismos inscrevem-se nos direitos fundamentais para todos para, a partir daí, exigirem  "deveres" que são, igualmente, iguais para todos. O não lugar como contexto tende a ser o próprio indivíduo, onde não se encontra coisa nenhuma que não seja um mimetismo e uma adopção do contexto. Diz-se, e com razão, que para o estudo dos símbolos, é necessário situá-los no contexto, como se, os símbolos em si próprios, possuíssem algo neles que está sempre para além do contexto mas que podem, por isso mesmo, ser utilizados, dentro de diversos contextos. Ora se a noção do símbolo se perde, resta às pessoas serem o último . O contexto actual é a grande ditadura que isola os homens levando-se a cumprir os mínimos necessários para que haja economia (governo da casa) para alguns e poucas economias para outros. "O homem e o seu contexto", passou a ser "o homem é o contexto", e ainda que esta última frase possa ser verdadeira em determinado estado espiritual, onde o dentro e o fora se fundem, neste caso, o cubismo aplicado aos edifícios é o cubismo interno dos homens. A besta é de facto, quadrada e com paredes de vidro.

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