sexta-feira, 19 de julho de 2019

A medida de todas as coisas e a imensidão de todas as coisas


Para além da pintura, aquilo que é mais mencionado e admirado em Leonardo Da Vinci é a sua curiosidade infinita por tudo. Na verdade, hoje ninguém pinta como ele. A  sua ternura e delicadeza que emprestava às personagens que pintou, o seu traço vigoroso, com força e vida nos seus esboços e desenhos, os seu detalhes, as suas rochas longínquas... Hoje quase não fazem sentido no panorama actual das artes, ou antes, das auto-denominadas artes, se são ou não, o tempo o dirá. Relativamente à sua curiosidade, hoje, o pintor e estudioso não teria mãos a medir com a quantidade de especializações que existem em praticamente tudo. O acesso ao conhecimento (que não é o mesmo que sabedoria), tornou-se em determinadas zonas do globo acessível e rápido. O desenho do Homem Vitruviano, quase-símbolo do próprio Renascimento e a legenda "O Homem é a medida de todas as coisas", se naquela época significavam, sobretudo, as potencialidades do conhecimento e os seus limites, hoje, tais potencialidades tornaram-se de tal modo numerosas que nenhum homem consegue acompanhar o ritmo acelerado do conhecimento da natureza. Mas há outra leitura, aquela Tradicional, desse Homem Vitruviano. Cada um, como ser específico guarda e contém potencialidades que podem ser desenvolvidas (daí o dizer-se que só se trabalha com 10% do cérebro). A expansão da consciência será uma dessas possibilidades que alguns trarão em si. Numa época de uniformização e de competição há a tendência para se pensar que todos trazem em si exactamente as mesmas potencialidades (um pouco na esteira do adágio "Os homens são todos iguais" herdado da Revolução Francesa) mas na realidade, à custa da confusão total entre o social e o individual, tende-se a uma espécie de entendimento de que todos, com as mesmas circunstâncias, são iguais. Evidentemente que não são. A igualdade esbarra sempre com a diferença individual. O Homem Vitruviano actual para existir, desenvolve apenas as possibilidades que em si estão latentes e essas podem coincidir ou não com as potencialidades sociais ou do seu contexto social. Já não procura a satisfação da curiosidade na sua forma total porque isso, com o grau de especialização que existe, é praticamente impossível: o contexto sobrepõe-se ao indivíduo nesse aspecto. Mas há a questão fundamental que permanece, pese embora as mil e uma explicações das diferentes áreas de especialização, e que é: "O que é o Homem?". Para além disso, e devido ao facto salutar da diferença fundamental entre indivíduos, embora tendencialmente negada, existem as potencialidades de cada um a serem desenvolvidas. Cada um, especificamente. Se coincidem ou não com o chamado "colectivo" ou com a sociedade isso, francamente, é viciar a questão e não tem a mínima importância se coincidem ou não. Podem, uma vez desenvolvidas coincidir, mas também podem não coincidir. Devido a esta obsessão de se colocar a carroça à frente dos bois, encontramos muitas pessoas a quererem agradar a muitas pessoas. O social está nitidamente acima do individual para que o individual sobressaía de alguma forma. É uma estratégia como qualquer outra num mundo uniformizado e competitivo. As questões fundamentais continuam sempre à espera de uma resposta e o desenvolvimento das potencialidades encontram sobretudo obstáculos neste tipo de sociedade que se crê (até ao nível espiritual imagine-se) ser a soberana do indivíduo. É assim que se vão aglomerando pessoas nas fileiras das melhores intenções que são, evidentemente, ditadas pela sociedade. Ouvimos frequentemente que, por exemplo, "um dia estaremos tão evoluídos espiritualmente que deixaremos de comer carne". Os mortos não voltam à terra para comer carne. Será que estão evoluídos? O que é que a carne e o peixe têm a ver com tudo isto? Na verdade, se o corpo transfigurado de Cristo está "evoluído", nem de carne, nem de peixe, nem sequer deste plano terrestre necessita... o desenvolvimento das potencialidades são aquelas que pertencem a cada um. A cada ser humano único. A "espiritualidade" (seja lá o que isso for) quanto muito é uma consequência desse desenvolvimento ou, para ser mais rigorosa, esse desenvolvimento só existe porque o Espírito foi ou é suficientemente forte para vencer os obstáculos, cada vez maiores, gerados pela sociedade actual. Uma das maiores confusões a que assisto é exactamente essa, entre o social, o individual e o "Espiritual". Quanto à pergunta fundamental, sempre actual e de difícil resposta que é "Quem somos?", a resposta, provavelmente, só nos é dada ou nos vai sendo dada à medida que as nossas próprias potencialidades são desenvolvidas. E ainda assim, não tenho a certeza. As certezas ficam para a maioria da população, para o social, essa entidade abstracta e inventada que parece saber tudo.

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