terça-feira, 2 de julho de 2019

Se decidirmos ser dualistas, então..


Foi quando o ouvi dizer "É Barroco, e ainda bem!" que tive a confirmação de uma série de coisas. Dizem alguns teóricos que o mundo balança, por ciclos, entre o Espírito Barroco e o Espírito Neo-clássico. Quem diz "balança" no presente pode dizer "balançava" porque nos dias de hoje já não se balança nem se dança, é mais uma espécie de ginástica competitiva cuja estética é casual e não essencial. As cornucópias e os dourados barrocos parecem querer fazer ascender os homens aos deuses por suas reviravoltas e, pelo mesmo caminho, fazer descer os deuses aos homens a tal ponto é que os deuses nem são mencionados. E porquê? Porque já co-existem de tal forma que não há diferença entre homens e deuses. O Barroco é um Espírito que incorpora pelo movimento. A perfeição do movimento faz-nos lembrar a perfeição do movimento dos deuses que se enquadram em todos os desejos humanos. O humano e o divino confundem-se e misturam-se num claro-escuro. O Barroco é a síntese, o êxtase estático do movimento. Já o Neo-clássico é frio. A separação entre os deuses e homens é nítida. Os deuses são aquilo que os homens não são. A contemplação é genuinamente parada. Fria como a pedra perfeita com os corpos serenos dos deuses que são só destino e imagem. Embora Camões esteja inserido no Renascimento como corrente, deuses e homens, nos Lusíadas estão em movimento. Os deuses não estão serenos no Olímpico depois de vivida a sua história. Permanecem em actividade, ora adjuvante, ora oponente. Não há serenidade formal nos Lusíadas. Há um para-barroco imanente. A transcendência não é distante e ideal. A vida como movimento incessante é o eixo da activalidade divina e humana. Foi quando o ouvi dizer: "É Barroco, e ainda bem!" que percebi. Esta corrente está muito mais próxima do ser-se português. E faz toda a diferença. Quem pensa em deuses serenos que não são como nós só pode ter um deus dentro de si adormecido ou não o ter de todo. Se ousa despertar torna-se Barroco. Quando se cola o classicismo ao catolicismo o resultado é no mínimo estranho. Todo o céu fica mais distante porque só é alcançado por via da razão, ou seja, não é alcançado de todo. O que se alcança, normalmente é uma imagem. Uma imagem de equilíbrio. Ora a imagem de equilíbrio não é o equilíbrio. É no desiquilíbrio do Barroco que está o equilíbrio. Há sempre um desgosto neo-clássico, o desgosto de nunca se alcançar o patamar dos deuses. No Espirito Barroco, não se pensa nisso. Está tudo vivo e presente. A Idade Média era profundamente Barroca, o nosso Renascimento em Camões era tendencialmente Barroco. Fernando Pessoa com as suas Cornucópias incompletas também o era. A Cornucópia da abundância, clássica, é o ponto de fuga do próprio Espírito Clássico. Quando os deuses se movem são barrocos, quando ficam petrificados em mármore, são matemática pura com um perfil sereno e inefável. "É Barroco, e ainda bem!" Como é bela esta frase e a fúria dele quando disse gostar da perfeição da queda do tecido, como se traísse a verdade. Dois mundos, duas maneiras de estar, duas estirpes, dois movimentos da história. Um só êxtase. Só o ouro resgata os clássicos.

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