sexta-feira, 12 de julho de 2019
Concha (poema avesso às leis da física da poesia)
Naturalizada no transcendente
Impressa nas estrelas
Esventrada do inferno
Apocalíptica nas intenções
O verdadeiro bordado
Existe na paz circundante
Que nunca é muito extenso
Mas suficiente para o mar
A força do sangue
Impele as ondas
O desejo afasta as nuvens
A cor preenche o vazio
Entre um tic e um tac
Há uma viagem
Devolvendo o infinito
Às marcas de água
No corpo potente
Há uma taça flamejante
Envolta num ovo
No silêncio de qualquer hora
O segredo não se espalha
Concentra-se num só espaço
Estimula a vida quando está
E deixa fogo quando parte
Nenhuma época
É tão capaz como o futuro
Franqueado por deuses a sorrir
No íntimo captando o coração
Não há palavras inventadas
Apenas ditas de novo
Com a certeza de nunca
As termos alguma vez ouvido
No nevoeiro a serra, o mar
O feitiço que nunca o foi
O olhar estendido como um perfume
O sonho aproxima-se sem fuga
A arte é um mistério
Sem que possa ser conhecido
O sono ela não permite
A sua verdade nunca a consente
Que vos interessa, afinal?
Que sentem? O que pensam?
O que sabem?
O que vos faz ser?
O que permitem?
O que ousam?
Nada sabemos,
Apenas aquilo que o mar nos diz
O seu som é a língua
Dos que acreditam nele
Só memória e vida
Túmulos e berços
Curvas e rectas
E esperança no sal
Quando se calam os sinais
E o destino não é obrigado
A ser o que quiser
A concha solta a pérola
(Cynthia Guimarães Taveira)
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