Quando se vêem em apuros vão todos beber ao Guénon. Antes isso...
Bem vistas as coisas, uma banana vale 108 mil euros. E depois é comida. Era a ideia que valia esse preço. Que ideia? A ideia de se vender uma banana por esse preço e depois comê-la. E assim se atinge o manicómio facilmente.
Lembrei-me do livro "O Esoterismo de Fernando Pessoa" de Dalila Pereira da Costa.
Vivemos hoje num mundo, tal como o mundo estava no tempo do poeta, cheio de sombras e de trevas. Há o culto consciente delas de várias maneiras, psicológico, inconsciente, consciente, ritualizado até. Por vezes chega a ser uma prisão voluntária no tenebroso, no terrível, no deformado, todos aconchegados e mimados no íntimo dos seres por uma vida inteira. A diferença é que há hoje mais pessoas a ler e a escrever e a urgência de protagonismo conduz à divulgação acelerada, por todos os meios, dessa escuridão. Quando a luz é mal vista é mesmo uma opção voluntária no "y" já referido nas publicações anteriores.
Diz Dalila P. da Costa no livro supra mencionado, (quinta edição da Lello Editores):
"Entre as três vias, poética, iniciática e a contemplativa, não haverá oposição: elas serão caminhos diversos levando a um mesmo ponto central único: a mesma revelação comum estará no seu fim; e a mesma união.
Mas afigura-se que Fernando Pessoa realizou a primeira, teria atingido a revelação da última (embora fora de toda ou qualquer disciplina ou método; unicamente em raras experiências espontâneas), mas falhou na iniciática, onde a partir dum certo momento se deu como que uma paragem, uma estagnação e dissolução: de súbito ele viu-se num caminho ante o muro que o barrava. (Pág. 64)
(...)
A força de Fernando Pessoa como poeta, foi conhecer o seu dom, e levá-lo até às suas derradeiras possibilidades, em obediência e humildade". (Pág. 66)
E aqui está o suficiente para nós determos sobre a grande questão da missão (que é sempre pro bono) e a da Iniciação (que pode ser ou não a páginas tantas do caminho).
E esta questão é fundamental, nos dias de hoje, de dissolução Universal, época final deste ciclo. As sementes deixadas por Pessoa e outros que o antecederam relativamente ao mundo, serão sempre sementes, independentemente de serem alvo de Marketing, ou alvo de outros interesses que não os dos que profetizaram uma outra Idade. Essa questão não se coloca. A questão que se coloca é a da Iniciação como condição necessária para essa Nova Idade porque só ela poderá fazer a mutação entre as duas e conduzir ao Paraíso Terrestre (e não ao da infância de Pessoa).
Nesse sentido, há três opções (o Y de novo): ou se espalham sementes sem iniciação (uma espécie de cópia do que já se conhece de alguns autores), ou se pode optar pela Iniciação sem necessidade de deixar sementes porque estas não têm condições actualmente para frutificar, ou se pode optar pelas duas, a opção mais difícil e a mais eficaz.
A humildade e a obediência são fundamentais para se poder servir com um ou mais dons, mas não são nada fundamentais para a Iniciação cujo carácter é activo e não passivo (ler Guénon porque ele explica a diferença entre iniciação e misticismo). Um místico pode tornar-se Iniciado se encontrar o mapa que o faça sair do misticismo.
E pergunta Dalila P. Da Costa e bem:
"Perdeu-se ele no primeiro plano, o psíquico, antes de poder atingir a verdadeira meta - a libertação, a que se daria no plano seguinte, o espiritual? Perdeu-se ele aí, nessa sua alma desunida e ainda não suficientemente decantada, nessa sua "selva oscura" ("vou em mim como entre bosques"). E até que ponto teria ido o contacto que possuiria com uma organização iniciática verdadeira?"
Estas questões fazem todas sentido. O excesso de psiquismo pode transformar-se numa prisão de trevas... trevas que podem conduzir à loucura como o exemplo que dei da banana dispendiosa e de que o mundo está cada vez mais cheio.
Ainda assim, não deixou o poeta de cumprir a sua missão mesmo que o castigo tenha sido esse excesso de mundo psíquico que o poderá ter conduzido a uma estagnação. Parece que o poeta conseguiu antever a Nova Idade, mas não uma Nova Idade no seu próprio horizonte o que a torna numa espécie de virtualidade (para usar a expressão de Guénon) universal.
Um dia um alquimista disse-me que quando a mulher dele entrava irritada no laboratório, as reacções químicas da matéria em tratamento ficavam fora de controlo. A simples presença conduzia a isso tal era a subtileza desses processos. É por isso que é a Iniciação a base da transmutação. Quer do homem, quer do mundo.
As sementes, serão sempre potenciais plantas. São necessárias em absoluto. A árvore da vida, por seu lado, é a Presença do próprio Jardim.
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ResponderEliminarComo o que se passa com os movimentos satânicos. No livrinho que estou a ler sobre Fernando Pessoa -- "O Mistério da Boca do Inferno", edição de Steffen Dix, diz o mesmo na apresentação: "Devido à inclinação para o fingimento e a mistificação, que podem e devem ser entendidos, no caso do Mistério da Boca do Inferno, como uma espécie de divertimento, e por existirem algumas lacunas biográficas, uma indagação racional da relação Pessoa - Crowley -- ao mesmo tempo cordial e distanciada -- requer um estudo cauteloso de uma série de documentos guardados sobretudo no espólio de Fernando Pessoa e, em parte, no espólio de Aleister Crowley." (Pág. 10), ou mais à frente, ainda sobre este caso da Boca do Inferno: "Ou seja, Pessoa correspondeu-se com vários interlocutores que, em geral, não possuíam os mesmos conhecimentos ou informações,embora o assunto tenha sido, em grande medida, o mesmo: O Mistério da Boca do Inferno. A única figura que teve sempre presente em todos os assuntos actualizados foi o próprio Pessoa, que desenvolveu um certo prazer na manipulação dos participantes, aproveitando revelações incompletas, ou, às vezes, exageradamente honestas. A partir deste procedimento, Pessoa aperfeiçoou uma estratégia inteligente de mistificação dos acontecimentos desse Setembro de 1930." (Pág. 16 -- edições Tinta da China, 2019).
ResponderEliminarComo se depreende, nunca alinhou em regimes contra iniciáticos. O misticismo não é contra iniciático na sua natureza, pode ser aquilo que antecede a iniciação. Devido ao seu "bosque oscuro" o poeta estava, portanto já bastante protegido relativamente a esses movimentos contra iniciáticos, no entanto, o mapa para sair desse bosque, por cansaço, provavelmente (nós não temos uma ideia sequer do que é dedicar a vida à humanidade da maneira como este poeta o fez...), a iniciação em si, a sua libertação, é questionada por Dalila P. da Costa. Num dos seus escritos iniciais, o poeta, pede: 'Meu Deus, livrai-me de mim", esse pedido é a faca de dois gumes do seu percurso. Por um lado pela fragmentação e pela entrega, essa procura de se livrar de si, a par com a entrega nas mãos de uma força maior do que ele que o encaminhava pelas palavras, por outro, à medida que o fazia, mais fundo entrava na diversidade, na fragmentação pessoal, unificava a Ideia de Portugal, à medida que se fragmentava a si próprio, o que é extremamente rosa cruz ou o coração dos Mistérios Menores e que devia ter desembocado no Paraíso para que se desse, então, o caminho da Libertação. Este apontamento é uma mera observação, nunca uma crítica, tomara a nós alguma vez ter feito o que ele fez.