quinta-feira, 5 de dezembro de 2019
Cornucópia
Da história real não guardo nada, a não ser más recordações. Da história paralela, da qual poucos sabem, guardo uma cornucópia da abundância que não pára de jorrar. O grande erro dos movimentos pseudo-iniciáticos (os contra-iniciáticos são de uma outra natureza) é o de contarem exclusivamente com as suas fórmulas matemáticas (casa vez mais gastas). Esses movimentos alimentam uma relativa curiosidade meramente utilitária pelos mundos paralelos. Existem neles um certo "temor" por esses mundos e, em simultâneo, uma certa apropriação conveniente para que possam continuar a existir. Pode-se há dizer que o máximo que retiram deles é uma máscara para que possam continuar a sua peça de teatro. Para esses movimentos, o mundo é uma comédia/tragédia que se desenrola no tempo, num devir perpétuo no qual não só participam com consciência dele como também procuram cada vez mais adesões a esse modo de vida. Evidentemente que a natureza, o "eterno feminino", como lhe chamam, é aquilo que de mais elevado concebem e o tempo de duração é impreciso e sem desfecho. Se é retirado um véu, um outro aparece no seu lugar. Não é o "lugar dos possíveis" como o é o lugar do Verbo. É, sobretudo, o lugar das imagens sucedâneas sem a luz, a força e a vibração do Verbo. Os discursos provindos desses movimentos são normalmente parcos em ideias e ricos em imagens. Existe, porém, uma possibilidade, muito mais rara, da entrada nesse "lugar dos possíveis" que não nega as imagens mas as enriquece com o pensamento quando é caso disso. Nesse lugar, a palavra torna-se num gesto. Não teatral, mas total. O teatro implica sempre separação. O rito implica união. É o teatro que tem origem no rito e não o inverso. Parte da incrível história paralela que sucedeu comigo foi a aprendizagem de saber fazer essa distinção entre rito e teatro que outrora foram apenas um. A partir daí, quando se retira o véu, retira-se, de facto e não há retorno. Quando há, é voluntário, por uma razão ou por outra. No entanto, a forma como se retorna, se se retorna, é diferente. O teatro parece um espaço oco preenchido por novelos de lã que foram desfeitos e se encontram emaranhados. A ideia do cisne que fica deslizando calmamente é uma fase transitória. Na verdade, não há que ser cisne para sempre porque até ele, em certa medida, fica sujeito aos ciclos que ele mesmo produz: as elipses que a sua passagem provoca na água...resultado da abundância.
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Gostei muito.
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