O mundo está um deserto invadido por galos e galinhas. Os galos são os homens que cantam de galo e estragam as conversas. As galinhas, por sua vez, são intensas em qualquer convívio. As estuporadas, no meio de uma conversa sobre filmes, livros ou o que seja que ainda haja de interessante no mundo, começam, como quem não quer a coisa, a falar da "educação" e da "escola" e num abrir e fechar de olhos desbobinam a repisada conversa na qual aparece sempre a vírgula "os meus filhos", e cujo discurso subreptício é sempre o mesmíssimo: "sou uma grande merda intelectual mas sou uma óptima mãe". Não há Natal nem reunião familiar que não fique estragada com os dois espécimes. Aos galos, falta o intelecto porque senão não se "armavam" em donos da capoeira, qualquer que seja (política ou futebolística - todos gostariam de ser comentadores televisivos destes temas), a elas, ninguém lhes diz que se são "uma grande merda" intelectual, nunca poderão vir a ser as super-mães que se auto-especulam. Quanto muito são mãezinhas... E a verdade é que estragam qualquer conversa, todos eles, transformam tudo num enorme filme de quatro horas visto e revisto e de série B. Quando me dou conta que estou numa capoeira (e não apenas num galinheiro), encolho-me toda. Desvio o olhar, ou fico com ele fixo e com um sorriso estupidamente compreensivo (que se está absolutamente nas tintas), chego a cantar para dentro. Sinto-me como nas aulas do secundário, a contar os minutos para sair dali para fora. Quem me vir com esse sorriso fica já a saber que "quero lá saber" se és tu que "dominas" a situação politico-futebolística, ou se és tu a mãe de todos nós. Sinceramente, há coisas mais interessantes no mundo e mais animais. A paranóia das capoeiras é que não; tenho para mim que elas exercem um estranho fascínio nalguns seres. Fora de qualquer brincadeira, encontrei várias pessoas na vida, e isto é factual, não é ironia nem tem duplo sentido, que quando começam a falar de galinhas e de galos não param. O olhar altera-se, fica entre o hipnotizado e o distante, as palavras saem mais lentamente, arrastadas, como se quisessem permanecer naquele mundo cheio de romance eternamente. Falam das galinhas com uma ternura infinita. Ficam suspensos. Descrevem o galinheiro, a capoeira, os problemas que tiveram com o ataque dos cães ou das raposas, a forma como algumas morreram e de como curaram as feridas das feridas. O Tantum amarelo. Os pensos. A recuperação. Ou o que comem. Como andam. Como estão. Enfim, uma intimidade que nem sequer têm com a família. Um fascínio. Uma mútua sedução. Fico de boca aberta a ver o espectáculo quase libidinoso, dos sentimentos que alguns humanos nutrem pelos galos e galinhas. Depois, vou a uma qualquer reunião familiar. E percebo porquê. É o célebre e antiquíssimo conhecimento por "identificação". Que pode dar para tudo... E para o torto. E estragar conversas que deviam caminhar pelos trilhos do que ainda não sabemos e não por essa identificação patética com os galináceos. Eu prefiro pentear macacos. É mais divertido e mais franco. Às vezes não há pachorra para o subconsciente das gentes.
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