Dão-me enfado
Estátuas mal feitas e de bolor transversal
Estátuas mal feitas e de bolor transversal
Paradas no ópio das igrejas
E os dias brancos
de uma só nuvem cobrindo o céu
dão-me enfado as crenças cegas
servidas em bandejas nuas
sem cinzelas do imaginário
e as palavras esvoaçantes
de cumprimentos feitos à medida
da vaga resposta
dão-me enfado as memórias vivas
como polvos esbracejantes
e os dilúvios de outrora que nunca passaram
dão-me enfado as imagens caídas
nas tentações das modas descaídas do cérebro
e não nascidas na ponta dos dedos
dão-me enfado as previsões do tempo
que nos fazem sentir pequenos profetas
num clima de altivez
face à imprevisível e grande natureza
dão-me enfado as noites tristes
como um destino forjado
na ponta de uma mágoa
dão-me enfado as violências contidas
e as não contidas
e as não contidas
por serem só violências
dão-me enfado as sociabilizões abstractas
penteadas por entre as estrias
das bem-aventuranças com que nos estrangulamos
na tentativa absurda de por um minuto
sermos “como” Buda, Cristo, um deus pagão
todos eles espreitando na floresta
e de não sermos qualquer coisa, apenas,
por sermos abstémios até da floresta
dá-me enfado o próprio enfado
de fados distantes
de palavras que nos desmoldam
e nos raptam o coração
sem que fado algum
o repita simplesmente
no trote da vida
(Cynthia Guimarães Taveira)
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