quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Fusão


A fusão

 Cada um é para o que nasce
Neste mundo de ilusão
Uns de pincel em riste
Outros de vassoura na mão
Na volta do ser existe
Um anjo que não perturba
Umas vezes anda no céu livre
Outras difarçado na turba
Altas vozes reclamam
Posição, destaque e assinatura
Mas mais altas ainda
Sabem do sopro do Espírito
E do poema que perturba
De nada nos serve ter
Pomares, hortas
Oficinas e profetas
Se não ousarmos ser
Só teremos as horas tortas
E quem ser será ele que nos assiste
E nos visita em cada praça?
É o negro lodo do cais?
Que em gesto nos embaraça
Ou são as colunas de céu
Erguidas de saber e pela graça?
Vivemos a recordar
Caravelas e ninfas encalhadas
E não nos atrevemos ao voo
Em ameias de asas dadas
Desde castelos no ar
Até  vígilias prometidas
Entre os dois fica o silêncio
Nas velas e festas perdidas
Porquê este luto de xaile?
Esta sombra que nos desmancha?
Quando temos tantas cores à espera
Num horizonte de verde-esperança?
Cada árvore por nós plantada
E cada peixe por nós pescado
É um Verbo não desdenhado
Uma arte de um mundo a vir
Onde não há anjo que não queira
Mesmo em dúvida poder servir
Na raiz do verbo ir
Há o sonho de subir
Seja nos atalhos calculados
Ou em saltos loucos e maltratados
Quando invejas, quando exiges
Tudo deixas por cumprir
Quando sorris para o amigo
Cantas alto o seu florir
Inventas o tom com que se escreve
Essa música do sol que antecede
Todo céu mesmo que breve
Marca a tua presença, o teu ser, o teu sentir
Trocas o passo a dançar
No mercados que te são estranhos
E esqueces  as feiras abandonadas
Os regateios e seus engenhos
Breve laço um dia feito
Entre Portugal e seu anjo
Mas feito com tal amor
Que não há sorte nem vontade
Que o desfaça em desengano
E quando cruzas os braços
Em espera e esperança
Há uma luz que se acende
E uma aventura que se lança
No movimento escondido
Desse uno gesto de temperança
Pois na sabedoria do paradoxo
Essa máscara inerte e parada
É o avesso da acção
Pelo céu atravessada
Onde só os anjos escutam
O verdadeiro mister da oração
Se por fora és perdição
Na canção desafinada
Por dentro és em verdade
Toda a luz do alto e dançada.

 
(Cynthia Guimarães Taveira)

 

 

 

 

 

 

 

 

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