Sem laços visíveis reconheço-te, no entanto, nas gargalhadas
soltas, vanguardas d’alma, elementos despertos subitamente reunidos num sentido
único capaz de um impacto em choque que vibra na cabeça lançada para trás,
obrigando ao riso, para além da vontade.
L’Esprit, como mais do que um estado,
mas como um argumento escrito em movimento, numa história desenrolada, com
apontamentos, inconscientes, espontâneos, em gestos sucedâneos, desvendando
sentidos, ou rotas, no improviso da melodia que nasce, mais do que jazz, melodia em surdina,
constituída por gestos e pensamentos, reclamando uma mensagem ou resposta,
desde o princípio.
L’Esprit, que é também poesia em movimento, chocalhando
dúvidas e sentimentos, mas “amansada” pela suavidade da sabedoria, como um
maestro invisível, dirigindo sem dirigir, sabendo de antemão que há
sensibilidade e inteligência para apreender, interiorizar e sentir, numa
abertura de todo o ser à sua voz.
L’esprit, desperto e alerta, numa atenção
aguda, calada, muda, imóvel, mas segura no gesto, pequeno, pequeníssimo, que
inicia, inicia de novo e de novo, em frente ao Ser, caminhado à sua frente, e
ao seu lado e atrás dele, não havendo forma, nem fuga, nem permissão interna
para não o escutar.
L’Esprit, que rendilha e enrodilha, e desenrodilha em
rendas e punhos, e palácios e vénias de lições, em presenças e ausências, como
as rendas, rendilhadas se permitem, navegar assim entre o cheio e o vazio, num
barroco flutuante, admitindo o clássico, por vezes, como pontos de paz, nas
curvas agitadas, das almas desencontradas, e encontradas, de novo, nos nós, nas
esquinas, nos acasos demasiado sofisticados...
L’Esprit, da cor, do cheiro, dos livros imanando uma saudade
aromática, uma nostalgia optimista porque reminiscência mais do que
sobreposta com o presente, relevada no presente como âmago da vida.
L’Esprit, de cujo álcool é apenas símbolo, como um vapor
essencial que se espalha na tontura dos sentidos, sensíveis e extra-sensíveis e
que lembra e re-acorda no paradoxo do torpor do gesto e que lembra e desperta
para a essência essencial no que tem de extraordinário, no mais corriqueiro dos
gestos, no mais inocente dos olhares, no mais genuíno espanto, na mais travessa
gargalhada, no mais extravagante salto do saltimbanco...
L’Esprit, que é mais do que religião ou paixão, por não se
fixar n'algum tempo que seja, pairando acima d’elas, numa presença discreta,
quase sem querer encontrada, numa amizade companheira, num eclipse impossível,
feito apenas de luz sem sombra na transparência dos corpos em derrota
voluntária.
L’Esprit, ele mesmo, sempre ele mesmo, acercando o ser,
encurralando-o, procurando a loucura d’ele e tornando-a sã nos seus braços.
L’Esprit, assim, só é francês... e porém, porém...
(Cynthia Guimarães Taveira)
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