quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

L'Esprit



Sem laços visíveis reconheço-te, no entanto, nas gargalhadas soltas, vanguardas d’alma, elementos despertos subitamente reunidos num sentido único capaz de um impacto em choque que vibra na cabeça lançada para trás, obrigando ao riso, para além da vontade.
 
L’Esprit, como mais do que um estado, mas como um argumento escrito em movimento, numa história desenrolada, com apontamentos, inconscientes, espontâneos, em gestos sucedâneos, desvendando sentidos, ou rotas, no improviso da melodia que nasce,  mais do que jazz, melodia em surdina, constituída por gestos e pensamentos, reclamando uma mensagem ou resposta, desde o princípio.
 
L’Esprit, que é também poesia em movimento, chocalhando dúvidas e sentimentos, mas “amansada” pela suavidade da sabedoria, como um maestro invisível, dirigindo sem dirigir, sabendo de antemão que há sensibilidade e inteligência para apreender, interiorizar e sentir, numa abertura de todo o ser à sua voz.
 
L’esprit, desperto e alerta, numa atenção aguda, calada, muda, imóvel, mas segura no gesto, pequeno, pequeníssimo, que inicia, inicia de novo e de novo, em frente ao Ser, caminhado à sua frente, e ao seu lado e atrás dele, não havendo forma, nem fuga, nem permissão interna para não o escutar.
 
L’Esprit, que rendilha e enrodilha, e desenrodilha em rendas e punhos, e palácios e vénias de lições, em presenças e ausências, como as rendas, rendilhadas se permitem, navegar assim entre o cheio e o vazio, num barroco flutuante, admitindo o clássico, por vezes, como pontos de paz, nas curvas agitadas, das almas desencontradas, e encontradas, de novo, nos nós, nas esquinas, nos acasos demasiado sofisticados...

L’Esprit, da cor, do cheiro, dos livros imanando uma saudade aromática, uma nostalgia optimista porque reminiscência mais do que sobreposta com o presente, relevada no presente como âmago da vida.

L’Esprit, de cujo álcool é apenas símbolo, como um vapor essencial que se espalha na tontura dos sentidos, sensíveis e extra-sensíveis e que lembra e re-acorda no paradoxo do torpor do gesto e que lembra e desperta para a essência essencial no que tem de extraordinário, no mais corriqueiro dos gestos, no mais inocente dos olhares, no mais genuíno espanto, na mais travessa gargalhada, no mais extravagante salto do saltimbanco...

L’Esprit, que é mais do que religião ou paixão, por não se fixar n'algum tempo que seja, pairando acima d’elas, numa presença discreta, quase sem querer encontrada, numa amizade companheira, num eclipse impossível, feito apenas de luz sem sombra na transparência dos corpos em derrota voluntária.

L’Esprit, ele mesmo, sempre ele mesmo, acercando o ser, encurralando-o, procurando a loucura d’ele e tornando-a sã nos seus braços.

L’Esprit, assim, só é francês... e porém, porém...


(Cynthia Guimarães Taveira)

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