SOB O SIGNO DO SOL
Não há discípulos nem alunos no jardim. Não há nada
mais a ensinar ou a aprender. Esse tempo esgotou-se, acabou quando se descobre
a entrada secreta por entre sinais e sintonias, uns certos, outros errados, uns
consequentes, outros insignificantes como um bocejo de um deus. O mundo lá fora
fervilha em hierarquias que transbordam os limites do imaginável. Perde-se em
sonhos de quotidiano, adormece nos leitos das modas, investe e acredita em
professores, em sábios, em eremitas no alto das montanhas onde todos os podem
ver… no jardim, nada disso se vê, até porque o jardim é invisível, impossível de
captar na totalidade das suas relações, das suas profundidades, das suas
alturas. É o gesto dos deuses que o desvenda, é a curiosidade dos nascidos das
sementes que o torna numa intuição por ver. Sob o signo do sol, o jardim só
existe com olhos solares, as palavras de fogo só são possíveis de ouvir com o
fogo interno aceso no centro das casas ancestrais, as primeiras, circulares,
que todos os habitantes, oleiros do espaço, guardam consigo desde tempos
antigos. No extremo ocidente, as casas foram construídas com um segredo
reservado aos que conhecem os pilares, os que sabem de onde vieram, os que
simplesmente sabem sem terem aprendido, sem terem tido mestres, sem terem
esperado pelas vozes, sem as questionar, sem terem colocado sinais em altares,
sem se terem comovido com milagres, sem esperarem sequer que um anjo olhasse
pare eles para começarem a caminhar. São os senhores da vontade, do eixo, da
corrente intransmissível que percorre aqueles que, nascidos na mesma gruta de
luz, conhecem o que significam os alicerces, os pilares, os eixos que sustentam
o extremo ocidente que parece ser o fim do mundo. O extremo oriente é o princípio e o fim,
visto de fora, e o fim e o principio visto pelos olhos solares dos habitantes
do jardim secreto, escondido, oculto, cerrado, proibido, inacessível,
camuflado, intransponível, irremediavelmente perdido para quem não nasça dentro
dele a partir de um segundo fôlego vindo do lago escuro e lodoso, no fim do
caminho de pedras, escorregadias, deslizantes, em dias de temporal. Justiça e
injustiça possuem duas faces, como Janus, dois tempos, e a terceira,
independente, que nos olha de frente, como uma águia. Não há mestres nem
discípulos, apenas águias, soberanas, intraduzíveis, mortas para o mundo porque
é o próprio mundo que está morto e cerca a vida do jardim. Cada passo dado para
fora dele, em direcção ao mundo, é o inverso de um mundo visitado por
fantasmas, porque é o próprio mundo que é um fantasma aflito e perdido do
caminho de si e que se assombra a si mesmo, e que se ensombra à luz de mestres
e discípulos, luz crepuscular, de fim do dia, a única que é revelada aos
ensombrados e assombrados, a eles e aos cisnes que os tapam da visão com as
suas asas bancas e suaves, circulando por entre nenúfares ou evitando-os no
caminho, cuidadosamente, silenciosamente, sem lhes falar. Ave de longo e
elegante pescoço, serena, submissa, branca de noite e de dia, indiferente ao
frio e ao calor, ignorando as palavras de fogo e de canto prolongado que
lamenta o próprio silêncio e nunca refere as palavras dos fantasmas do mundo.
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