Ah, Platão, Platão...
Que fixaste os nossos sonhos
Em arquétipos
E deduziste que a terra só se encontra
Na exatidão da esfera
E de todos os sólidos sublimados...
Ah, Platão, Platão...
Que fizeste dos nossos sonhos a exigência de um presente
E fizeste dos deuses desculpas
E depois fizeste deles garfos e facas
Que servem para comer ideias
E depois fizeste do movimento infinito das estrelas
A fixidez desse próprio movimento infinito das estrelas
Estancaste o nosso sangue numa promessa
Platão que desentronizaste os profetas e os substituiste pelas esferas
Em cujo tempo não alcanças
A imensidão do absoluto que aprisionas
Ah, Platão, Platão que tomaste a filosofia
Pela bem-aventurança
E nos desgraçaste a todos na nossa arritmia humana
E que nos deixaste a ideia em vez da esperança
Ah, Platão, Platão
Que mataste Alexandre à nascença
E fizeste da pirâmide a liderança
E dos contornos do mundo a nitidez do erro
Platão das mil cicutas que viste beber
E da ordem aparente do mundo,
Nem viste a presença de uma mulher
No perfume dos manjares
Atravessando os teus banquetes
De sedutoras ideias, de sonhos captáveis
Enquanto esse aroma te inebriava
Na tua própria vertigem
E desaparecia pela fresta da porta
Mais livre que o vento,
Mais livre que o teu pensamento
Diluído nessa poeira das estrelas
de onde brotaste e te esqueceste
E para onde voltaste, enfim,
agora, e só nessa hora, em que morreste
com a memória, finalmente, cheia.
(Cynthia Guimarães Taveira)
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