Pela solidão adentro
Não te vejo, não te toco
Apenas exalo o tempo
Se há sede do inconveniente
Ela é tanto ou mais do que o impossível
Ao ponto de tudo parecer impossível
Como é impossível que haja felicidade
Numa gruta fechada pelo mar
Há sempre um sonho que não cumpro
E mais outro que se acumula
São destroços que nem chegam a ser tempo
São nuvens que nem se chegam a formar
E se nem a noção do querer ser tudo
Vem preencher o possível sonho...
Se nem a carruagem pára na curva da estrada
Onde sempre espero que pare
Onde vejo a chuva cair sem que a veja já
E o sol levantado esquece-se da hora em que está
Há sempre uma possivel loucura de não se ser louco
A esperança sem fortuna e nem provas que exista sequer
Nada é mais vago do que um sonho incerto
Nada é mais contido do que a voz que nunca canta
Ou que um coração que nunca se encontra
Nada é mais exacto do que ter por certeza a ilusão
E por mentira a constante capacidade de a ver
Vestida de verdade e a rigor
Ergo taças ao céu e já nem rito é
Nem mito distante que chegue a doer
Não há sonhos inéditos suficientemente lúcidos
Para que se tornem realidade
Todos eles arrastam os sonhos de outros
Desconhecidos demais para serem parte deles
Não há caminho que possa ir dar ao infinito
Sem que toque num caminho outro qualquer
Que incomode e desvirtue o sonho ainda por nascer
Todas as gaivotas têm, mais cedo ou mais tarde
Uma ligeira aflição, um ligeiro medo das alturas
Estranhando-se no voo que não pediram
E toda a terra se abre e lhes aparece como um céu
E já nem distinguem, nem sabem como
Toda a virtude do voo contém a prisão do voo
Há um rumor claro na brancura das suas vestes
E o medo de não se saber regressar...
É a linha do horizonte que prejudica a sonho
Obrigando-o a parar ali, como ponto fixo
E a beleza tentada fica sempre num oriente
Demasiado secreto, demasiado ardente
Demasiado discreto, demasiado incerto
Como a incerteza que nos faz ir, na barca d’alma
Que a revela, que a contém, em limtes definidos
Nítidos no imenso mar onde se colhem todas as luas
sem que as cheguemos a ver e a tocar
(Cynthia Guimarães Taveira)
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