Ei-la, a Inveja, nascida do casal insegurança e maus
instintos. Presente no mundo desde o princípio dos tempos, ei-la ainda jovem
menina e moça, condição de que não se livrará até ao fim dos seus dias, numa
qualquer pausa da eternidade. Ela vive, respira e é eternamente jovem.
Assemelha-se a um fumo, transparente e volátil que impregna cada canto, cada
esquina do olhar. É fácil dar-mos conta da sua presença, ela paira, aparece e
desaparece, é senhora do espaço e do tempo, a rainha da última palavra nos corações
de alguns portugueses. Ela está sempre acordada, esperta e implacável. No canto
dos olhos das mulheres que se olham de alto a baixo, e avaliam, e julgam e
matam nesse pequeno pestanejar. Nos homens que olham os outros, e os invejam
pela virilidade, pelo carro que não têm, pelo sucesso que não conseguem. Ela
age por lampejos, pequenos raios sem compaixão. Dita pequenos gestos de recusa,
dita os silêncios no lugar dos elogios possíveis. É muda e sinuosa e apressa-se
nas decisões que mudam vidas. Ela vive no coração, mas não é o coração,
instala-se no lugar dele e pulsa como ele, imita-o, na verdade, mas traz uma
outra verdade que dela nada tem por ser apenas uma réplica. No fundo dela o
medo e a maldade são os seus hemisférios sentimentais, na pele dela, a má
língua e as más acções, são os hemisférios materiais.
Ela destrói, corrói, incendeia. Produz opiniões sobre falsas
premissas e governa assim parte do mundo. Conduz sentimentos no devir da
história e no seu rasto mudo, inculpável, indetectável deixa cadáveres de
pessoas encerradas numa infinita tristeza. A mágoa que ela provoca não é igual
às outras. Não é um filho que se perde, não é um pai que morre, não é um
desgosto de amor. É a mágoa da injustiça, pura e dura, implacável sem intentos
divinos que a possam justificar. Absolutamente irracional, absolutamente
absurda no fim. Um non sense sem graça, uma desforra de coisa nenhuma. Mas
ei-la sempre viva, em cada esquina, em cada olhar, nos pormenores dos gestos,
dissimulada, imitando o amor.
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