Não há um notável pensamento que sustente um mundo a arruinar-se.
As ruínas do passado são-nos nostálgicas. O pôr do sol em Roma é o resultado de
palavras doiradas que caem sobre as pedras tombadas. Mas há o momento em que o edifício
se torna ruína. O movimento e o momento de arruinar. Nesse instante, podemos
ter as mais belas ideias sobre o mundo. Os mais precisos sistemas filosóficos,
as manhãs mais gloriosas arquétipais, no entanto, a pedra desce e desvia-se do
eixo gravitacional. E nasce a ruína. São chamados fins-do-mundo que estão muito
mais na pedra do que em qualquer promontório porque estes são sempre uma
promessa de vida e de viagem, aquém ou além da vida. O momento da transformação
da pedra em ruína é a queda da própria ideia, o seu esvaziar, a sua insignificância
face ao contexto. É um momento apenas visual. Cinematográfico. Alguma luz
projectada num pano branco, sem profundidade ou sorte que não seja o tombo. A torre
que tomba. O caos da dispersão das pedras, a aterragem delas, já rodeadas pela
poeira que as irão fazer submergir em parte. Nesse momento, de morte de civilização,
as ideias, como as almas, vagueiam, passam para outro plano, tornam-se
fantasmáticas e ausentam-se até se evaporarem e passarem a ser apenas um
espectro na memória. E o mundo não é sustentado senão por um ligeiro sopro de
espírito. Uma brisa que traz e esconde a semente na poeira das ruínas. Uma chuva
miudinha que a fará germinar. Uma pequena grande ideia a ser, com a reviravolta
que irá dar em si, por si. Um raio de sol atento, preciso, que a irá iluminar. Quando
cai uma civilização, restam as sementes guardas em ânforas de barro. Sementes que
ainda nada são, na penumbra da poeira. Eis o retrato parado e esquecido do que
já é esta civilização. Ao contrário das ideias, as civilizações morrem mesmo. As
ideias, ausentam-se e estalam-se na memória. A queda da civilização é
indiferente aos homens, às ideias dos homens. Ela já tomou corpo sozinha, já se
fez grande, já foi do mundo, já decai, tomba e já se deixa adormecer na terra. E
as almas dos homens de uma civilização em movimento de ruína, andam tombado com
ela. Oscilam na rua como corpos em choque, o olhar triste e perdido de quem
sobrou de uma guerra. A rua sem princípio nem fim, limitada apenas pela poeira.
As mãos caídas sobre o corpo, como cadáveres de pé. A mente confusa e enublada,
perto, perto do vazio de si mesma ou alucinando tardes de Verão junto à fonte
das ideias, como um sonho ténue antes do último suspiro.
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