domingo, 25 de outubro de 2020

Ruína

 


Não há um notável pensamento que sustente um mundo a arruinar-se. As ruínas do passado são-nos nostálgicas. O pôr do sol em Roma é o resultado de palavras doiradas que caem sobre as pedras tombadas. Mas há o momento em que o edifício se torna ruína. O movimento e o momento de arruinar. Nesse instante, podemos ter as mais belas ideias sobre o mundo. Os mais precisos sistemas filosóficos, as manhãs mais gloriosas arquétipais, no entanto, a pedra desce e desvia-se do eixo gravitacional. E nasce a ruína. São chamados fins-do-mundo que estão muito mais na pedra do que em qualquer promontório porque estes são sempre uma promessa de vida e de viagem, aquém ou além da vida. O momento da transformação da pedra em ruína é a queda da própria ideia, o seu esvaziar, a sua insignificância face ao contexto. É um momento apenas visual. Cinematográfico. Alguma luz projectada num pano branco, sem profundidade ou sorte que não seja o tombo. A torre que tomba. O caos da dispersão das pedras, a aterragem delas, já rodeadas pela poeira que as irão fazer submergir em parte. Nesse momento, de morte de civilização, as ideias, como as almas, vagueiam, passam para outro plano, tornam-se fantasmáticas e ausentam-se até se evaporarem e passarem a ser apenas um espectro na memória. E o mundo não é sustentado senão por um ligeiro sopro de espírito. Uma brisa que traz e esconde a semente na poeira das ruínas. Uma chuva miudinha que a fará germinar. Uma pequena grande ideia a ser, com a reviravolta que irá dar em si, por si. Um raio de sol atento, preciso, que a irá iluminar. Quando cai uma civilização, restam as sementes guardas em ânforas de barro. Sementes que ainda nada são, na penumbra da poeira. Eis o retrato parado e esquecido do que já é esta civilização. Ao contrário das ideias, as civilizações morrem mesmo. As ideias, ausentam-se e estalam-se na memória. A queda da civilização é indiferente aos homens, às ideias dos homens. Ela já tomou corpo sozinha, já se fez grande, já foi do mundo, já decai, tomba e já se deixa adormecer na terra. E as almas dos homens de uma civilização em movimento de ruína, andam tombado com ela. Oscilam na rua como corpos em choque, o olhar triste e perdido de quem sobrou de uma guerra. A rua sem princípio nem fim, limitada apenas pela poeira. As mãos caídas sobre o corpo, como cadáveres de pé. A mente confusa e enublada, perto, perto do vazio de si mesma ou alucinando tardes de Verão junto à fonte das ideias, como um sonho ténue antes do último suspiro.


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