segunda-feira, 5 de outubro de 2020

A "elite"


 

A páginas tantas da sua extensa obra (extensão, neste caso, não indica quantidade), René Guénon afirma que o povo, quando não há condições para que a Tradição esteja visível (é mais ou menos esta ideia do binómio visível/invisível), é o maior refúgio para quem a guarda. Esta afirmação é também muito extensa porque tem vários níveis de leitura. Quando as elites se perdem na política (ainda ontem alguém numa série televisiva citava um qualquer autor que escreveu “quem entra para a política fica imediatamente desqualificado”), entram no universo de Sodoma e Gomorra e começam logo a meter as mãos pelos pés, sobretudo nestes tempos de pensamentos totalizantes, sem profundidade nem capacidade de pensamento. Este refúgio é extraordinariamente verdadeiro e pode ser apenas a possibilidade da passagem de testemunho adquirido de forma inconsciente pelo povo que em seguida vai manter as informações e replicá-las ao longo de gerações através da cultura popular. Neste caso, estamos perante a passagem de testemunho ao longo da linha horizontal do tempo. Mas essa passagem de testemunho, também é feita através do eixo do tempo vertical, o tempo do kairos, e aí, todo o povo que aceitou ser concha protectora, participa nos ensinamentos consoante as suas capacidades. Ai temos fixada a “esperteza saloia” que não é mais do que uma forma muito inteligente de estar. O que torna o saloio esperto é o seu interesse, o seu genuíno interesse em aprender. Nesse momento pousa a enxada e escuta. Com a máxima atenção. É o verdadeiro aprendiz de uma voz superior e que entende, por intuição, que essa voz, é de facto superior. As duas vozes, encontram-se na humildade. Mas isto passa-se quando as elites já não possuem elas próprias essa capacidade de serem humildes e essa capacidade é transversal a todas as classes intelectuais. E por não possuírem essa capacidade, que é espontânea, nunca poderão participar nesse tempo vertical que exige a total transparência por parte dos intervenientes. A depreciação da “esperteza saloia” passa-se quando, incapaz de humildade, longe já da Tradição, a elite intelectual portuguesa espezinha por instintos malignos, o único reservatório disponível para o conhecimento e fá-lo com o maior descaramento: aproveita as uvas (que nunca cultivou), coloca-as sobre a mesa do banquete, aproveita o vinho (que nunca produziu) e coloca-o também na mesa do banquete. Banqueteia-se e acaba bêbedo com os seus próprios discursos e com as suas próprias palavras (é a chamada vingança do saloio) e isto porque, nem lançou sementes, nem produziu vinho alguma vez na vida e se limitou a deambular por literaturas várias sem nunca pisar as uvas com os pés bem assentes na terra. Permanecem como elite, mais por convenção do que por sabedoria. A característica mais forte das massas é a preguiça e, como tal, nunca muda a “sua elite”, primeiro, por desconhecimento (via preguiça amorfa) de que exista, segundo, porque as massas, na sua preguiça mental, nunca questionam absolutamente nada nem querem saber absolutamente nada. O seu domínio é o da acção, pura e dura, traduzível numa espécie de pasta que vai crescendo lentamente por via da fermentação até á bebedeira final e conduzidas por uma suposta elite que nada mais é do que uma excrescência de si mesmas e altamente desqualificada por via da política. 

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