A páginas tantas da sua extensa obra (extensão, neste caso,
não indica quantidade), René Guénon afirma que o povo, quando não há condições
para que a Tradição esteja visível (é mais ou menos esta ideia do binómio visível/invisível),
é o maior refúgio para quem a guarda. Esta afirmação é também muito extensa
porque tem vários níveis de leitura. Quando as elites se perdem na política
(ainda ontem alguém numa série televisiva citava um qualquer autor que escreveu
“quem entra para a política fica imediatamente desqualificado”), entram no
universo de Sodoma e Gomorra e começam logo a meter as mãos pelos pés,
sobretudo nestes tempos de pensamentos totalizantes, sem profundidade nem
capacidade de pensamento. Este refúgio é extraordinariamente verdadeiro e pode
ser apenas a possibilidade da passagem de testemunho adquirido de forma inconsciente
pelo povo que em seguida vai manter as informações e replicá-las ao longo de
gerações através da cultura popular. Neste caso, estamos perante a passagem de
testemunho ao longo da linha horizontal do tempo. Mas essa passagem de
testemunho, também é feita através do eixo do tempo vertical, o tempo do kairos,
e aí, todo o povo que aceitou ser concha protectora, participa nos ensinamentos
consoante as suas capacidades. Ai temos fixada a “esperteza saloia” que não é
mais do que uma forma muito inteligente de estar. O que torna o saloio esperto
é o seu interesse, o seu genuíno interesse em aprender. Nesse momento pousa a
enxada e escuta. Com a máxima atenção. É o verdadeiro aprendiz de uma voz
superior e que entende, por intuição, que essa voz, é de facto superior. As duas
vozes, encontram-se na humildade. Mas isto passa-se quando as elites já não
possuem elas próprias essa capacidade de serem humildes e essa capacidade é
transversal a todas as classes intelectuais. E por não possuírem essa
capacidade, que é espontânea, nunca poderão participar nesse tempo vertical que
exige a total transparência por parte dos intervenientes. A depreciação da “esperteza
saloia” passa-se quando, incapaz de humildade, longe já da Tradição, a elite
intelectual portuguesa espezinha por instintos malignos, o único reservatório
disponível para o conhecimento e fá-lo com o maior descaramento: aproveita as
uvas (que nunca cultivou), coloca-as sobre a mesa do banquete, aproveita o
vinho (que nunca produziu) e coloca-o também na mesa do banquete. Banqueteia-se
e acaba bêbedo com os seus próprios discursos e com as suas próprias palavras
(é a chamada vingança do saloio) e isto porque, nem lançou sementes, nem
produziu vinho alguma vez na vida e se limitou a deambular por literaturas
várias sem nunca pisar as uvas com os pés bem assentes na terra. Permanecem como
elite, mais por convenção do que por sabedoria. A característica mais forte das
massas é a preguiça e, como tal, nunca muda a “sua elite”, primeiro, por
desconhecimento (via preguiça amorfa) de que exista, segundo, porque as massas,
na sua preguiça mental, nunca questionam absolutamente nada nem querem saber
absolutamente nada. O seu domínio é o da acção, pura e dura, traduzível numa
espécie de pasta que vai crescendo lentamente por via da fermentação até á
bebedeira final e conduzidas por uma suposta elite que nada mais é do que uma
excrescência de si mesmas e altamente desqualificada por via da política.
segunda-feira, 5 de outubro de 2020
A "elite"
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário