sábado, 24 de outubro de 2020

A Quinta da Regaleira e a celebração da Vida


 

Nenhum deles se auto-intitula de Mestre porque isso soaria demasiado a autopromoção, mas não se importam de se apresentar como autênticos mestres de cerimónias de opiniões e de sínteses do que leram como exemplo da sua superioridade. Na verdade, a preguiça de estudar é total. Antes ter quem nos debite as coisas. Tenho uma amiga divorciada a quem o marido pedia para que ela lhe contasse a história dos livros que ela tinha lido. Talvez fosse para poder brilhar, um pouco mais tarde, numa festa ou num convívio, brilhar como pessoa erudita ou talvez fosse a pura insistência em não ler, por ser coisa vagarosa e implicar tempo e disponibilidade. O problema é que a minha amiga poderia inventar uma história qualquer que ele a tomaria pela verdadeira. Os mestres de cerimónias neste mundo esotérico estão bem visíveis nas interpretações da Regaleira. Uns dizem uma coisa, outros dizem outra. Causam guerras. Guerras inúteis. Talvez o convite da própria quinta de Carvalho Monteiro não seja bem esse. Talvez nunca tenha pensado em mestres de cerimónias de opiniões. Talvez seja o de cada um sentir e ver com os olhos que tem. E quem fala na quinta, fala em muitas outras coisas. Também eu não me importaria de ser um Mestre de Cerimónias. Mas à moda antiga. Daqueles que organizavam festas e faziam delas uma obra de arte. Uma arte efémera inesquecível. E tomasse um cenário natural ou um palácio como base para a criação. É por isso que não encontramos criatividade nenhuma a não ser, provavelmente, nas interpretações dos mestres de cerimónias que ficam aquém de um verdadeiro Mestre de Cerimónias que se limita a conduzir as pessoas no voo da sua arte, da sua imaginação sem querer, com isso, proclamar a verdade do mundo e acabando, no entanto, por via da criatividade, por tocar nos pontos essenciais deste Mistério de estarmos vivos. Talvez, Monteiro e Manini fossem Mestres de Cerimónias à moda antiga e fizessem as pessoas voar nas suas asas com as asas que cada um tem.  Depois, vieram os herdeiros desses mestres, desfasados. A queda da Arte na mera explicação mecânica dos símbolos. Com tendência, naturalmente, para a imposição. São francamente mestres de cerimónias menores. São um produto deste tempo. Desta ausência de arte. Destes rebanhos de gente sem vontade e sem alegria que nos cercam. São produto do homem que se divorciou dos livros e da criatividade. Porque livros e criatividade deveriam andar juntos, ser inseparáveis e, por isso, a nossa relação com eles, deveria ser íntima e pessoal. Um dia emprestei um livro a um amigo. Apareceu-me no outro dia, com um ar ligeiramente zangado. Disse-me: “Li o livro de uma vez. Fartei-me de chorar”. Até hoje não sei que memórias ou em que ponto da sensibilidade do meu amigo o livro tinha tocado. Não lhe perguntei por que tinha chorando tanto. Fazia parte da sua intimidade. No entanto, sei, que a relação dele com o livro foi única. E fiquei feliz com isso. Mesmo que tenham sido lágrimas, foram lágrimas de ouro. Cansei-me de mestres de cerimónias de opiniões e sínteses. Os únicos válidos são os que erguem palácios e jardins, da raiz ao céu, partindo do céu para a raiz. Isso, sim, é uma verdadeira festa. Com esses vôos. Com os outros caímos num pantanal de guerras surdas. E a nossa alma cala-se. As festas não se fazem com desalmados. 

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