quinta-feira, 22 de outubro de 2020

A colina


 

Estou a ver um filme sobre terroristas. Escolhi ver esse filme. Não é bom ver filmes sobre terroristas. O terrorismo não é bom. Por que vemos filmes que não são bons, nem nos fazem sentir bem? Porque são importantes. Porque é importante saber. Os filmes têm um terreno próprio que não é o da pintura. Excepto Akira Kurosawa que é outra louça. Na Pintura só quero luz. Na Arquitectura também. Na Música já aceito a tristeza. Na dança aceito as emoções variadas. Nos filmes aceito tudo. O olhar que deitamos sobre as coisas é à portuguesa, isto quando conseguimos ser verdadeiramente portugueses e alcançamos a colina. No íntimo, no Portugal profundo que poucos conhecem, os portugueses são, em cima da colina. Poucos. O estatuto de louco é superior. O seu olhar também. Paira. Entende e paira. Eckart disse: "O olho pelo qual vejo Deus é o mesmo pelo qual Deus me vê". Falou em Deus, não falou dos homens. A sobranceria de pensar segundo os termos de uma psicologia barata quando afirma que vemos nos outros os nossos próprios fantasmas nega a loucura de ver os fantasmas que são exclusivamente dos outros. Um olhar de um louco português que alcançou a colina é precioso. Não necessita de romances sucessivos de telefilmes. O que vê é único. Um louco é desassossegado porque não está bem no mundo. Nem é do mundo. É da colina. E é a colina. Um louco não quer coros lamechas de emoções enternecidas nascidas da raiva. Quer emoções que sejam iguais ao nascimento delas. Um louco não finge que não ouve. Um louco não cai porque é a colina e a gruta que a acompanha. O seu olhar é límpido e fresco e não se envolve no que vê. É o que vê, no momento em que vê e não no recalcamento do passado do que é. O mundo não é uma pastelaria onde se escolhem os melhores bolos. O mundo é a pastelaria e a cozinha da pastelaria. Essa é a diferença entre o cliente e o pasteleiro. A diferença entre os desalmados deste mundo louco e os que têm a alma do mundo. Um louco não está na escola primária. Não está na Universidade. Está consigo no alto da colina, além do ensino. O olhar que deita às coisas constitui a sua sabedoria. A sabedoria não é um bem estar. É a liberdade. Está acima do bem estar. As crianças precisam de professores. Os raros exemplares adultos deste mundo necessitam de loucos. Os loucos nunca estão onde os que não são loucos pensam que eles estão porque os que não são loucos pensam sempre que os loucos estão mais abaixo e isto porque não alcançaram a colina. Nem a vêem sequer. 

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