quinta-feira, 15 de outubro de 2020

O Cânone

 


Há uns anos, na Universidade, uma professora de Mestrado ensinou-me a problemática do cânone. Desde as suas origens, à sua diversidade, passando pela sua perpetuidade ou não. Desde aí que assisto a autênticas invasões, por parte do cânone, em todos os territórios. Tornei-me mais atenta ao cânone que não se confunde (embora, por vezes pareça) com moda. É frequente nas redes sociais, apelar-se à publicação dos “livros mais importantes da minha vida”, uma espécie de cânone pessoal que pode servir para comparar, para estabelecer um determinado perfil sobre a personagem que editou a publicação, para dar ideias de leitura. Há diversas possibilidades de utilização. Mas o mesmo se passa com tudo. Facilmente uma opinião, hoje em dia, é entendida (pela veemência com que é debitada) como uma espécie de cânone ou modelo exemplar, absolutamente incontornável e motor de acções vindouras. O problema é que há de tudo para todos os gostos e, tal como aconteceu ao cânone das artes, o mesmo acontece às vozes: uma dissolução na multidão delas com pequenos agrupamentos, aqui e ali, em torno de uma delas, tal e qual o “cânone”. Praticamente somos todos canonizáveis assim, basta ser independente de qualquer instituição que canonize institucionalmente. Este tipo de comportamento aproxima-se a passos largos da anarquia. Já escrevi várias vezes que existe uma anarquia superior e uma inferior. A inferior é visível no dito popular “cada um é como cada qual” e a superior também é visível no mesmo dito popular. No entanto, na sua forma inferior, a anarquia procura e exige o reconhecimento pelos pares. Na superior isso não se passa. Digamos que a primeira tende a auto aniquilar-se em si mesma na constituição de critérios comuns quando procura e/ou exige esse reconhecimento, o que equivale a dizer que o “individuo” tende a desaparecer em função desses critérios e desse reconhecimento. Na anarquia superior, o diálogo é sempre feito com o centro de “cada qual”, independentemente dos cânones impostos pelo exterior. Se há um exterior ao indivíduo, esse “exterior” está num plano individual e não colectivo. Entendendo isto, poderá compreender-se melhor o princípio da causalidade superior uma vez que, segundo a lei universal da intensidade, quanto mais perto do seu centro um individuo se encontra, maior repercussão têm as suas acções por mais diminutas que pareçam à luz dos cânones que lhe são exteriores. Penso ter respondido a uma série de gente.


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