Dei comigo próxima de meia dúzia
de pessoas. Ainda que as “filosofias espirituais” digam todas que estamos muito
ligados por fios invisíveis, na realidade, isso ultrapassa-me. Mesmo se cada
gesto meu tiver uma repercurssão maior, e tem (independentemente do que pensem
sobre o assunto), na verdade, apenas meia dúzia de pessoas estão
verdadeiramente próximas. Imaginar as repercurssões dos nossos mais pequenos
gestos pode ser um passatempo e pode ser uma fantasia. Na verdade, não sabemos.
Não sabemos ao certo. Sei que me aconteceram coisas demasiado inusitadas para
serem escritas e para serem, sequer, compreendidas. Esperamos sempre que a
compreensão faça parte de uma linha de raciocínios, de uma demonstração. Tal
coisa não chega para descrever o que me aconteceu. Também podemos compreender
as coisas pelo coração (a aí, andamos mais perto), mas, ainda assim, parece o
resultado de um filme que nos faz lacrimejar, ou rir, ou outra coisa qualquer.
Aquilo que me aconteceu vive em mim numa absoluta e concreta solidão e mesmo
que tenha tido muitas “repercurssões”, se é que as teve, a verdade é que, em
si, o acontecimento, é único, irrepetível e incompreensivel na sua totalidade.
Quando as coisas são grandes demais, são grandes demais. Sei que me alterou muito
embora parte do acontecimento fosse uma remeniscência e outra parte, não o tenha sido. Com aquilo que me
conteceu dei por mim próxima de apenas meia dúzia de pessoas. Quando estou com
outras que não essa meia dúzia, estou e não estou. Nem quero saber se estou ou
não estou. No fundo, não quero saber. A dama transformou-se no unicórnio e
quando isso acontece as fronteiras ficam demasiado bem definidas e o fundo da
tapeçaria ganha o exacto realce de ser um pano de fundo. O fundo da tapeçaria
poderia ser liso, opaco, sem dimensão. Mas não é. O fundo da tapeçaria são
essas outras pessoas que não pertencem à meia dúzia. Estão lá, realçadas, no
entanto, a cena principal não é essa. É a dama e o unicórnio. E a cerca, e a
tenda e pouco mais num jogo simbólico que não necessita de muitos mais símbolos. Não se trata
de uma simplificação, de um resumo, de uma abstração, de uma síntese. Trata-se
de uma “essencialização”. Não se trata daquilo que é essêncial depois de algo
passar pela peneira, é bastante mais do que isso. A “essencialização” é a
transmutação em potências. Aquilo que estava em acto regressa à sua origem
essencial, à sua essência.
sexta-feira, 31 de maio de 2019
O pobre homem
Hoje estava a ver televisão, já nem sei em que canal e estava um pobre homem a falar das desgraças que tinha tido com a crise. Olhei para ele fixamente e tive a ideia de um povo inteiro, chamado "português". Havia aquela educação no olhar da vida dura, de quem tinha nascido e de quem tinham dito "tudo se cria". Havia nele qualquer coisa de ancestral. E lembrei-me, por associação de ideias, de Gil Vicente e daquela dureza nele que não perdoa nem permite... E lembrei-me de Camões que não vacila ao acabar os Lusíadas com a palavra "inveja", e fui-me lembrando dessa dureza que temos para connosco próprios ao longo da literatura e das cadeias de vidas que por este país vão passando. Uma auto-crítica férrea, quase destrutiva. Implacável. Somos, como portugueses, os primeiros a deitarmo-nos abaixo, os primeiros a não nos perdoarmos, os primeiros a condenar-nos. Temos um complexo implícito de que somos Deus, de que nos criamos, de que estragamos tudo e de que nos condenamos. Lançamos os foguetes da anti-festa e vamos apanhar as canas. Uma auto-consciência nítida de que não prestamos, de que "temos o que merecemos" e vivemos com isso, num orgulho camuflado que salta cá para fora quando alguém, de fora, nos crítica. Quando aquele alemão de cadeira de rodas, lá da Europa, disse coisas horríveis de nós, saltámos da cadeira, indignámo-nos. Não permitimos que ninguém nos critique porque nós somos Deus e fazemos o serviço todo. Quem é aquele alemão para tomar o nosso lugar e nos vir insultar? Se fôr um português, tudo bem, agora "um estranho", é corrido à paulada. Os pobres portugueses que somos, resilientes sem ser por espectáculo, constantemente desiludidos consigo próprios, são Deus. E são, efectivamente. Não se trata de um comportamento bi-polar nem coisa que o valha. Coexiste a miséria humana com a consciência da miséria humana (de qualquer tipo que ela seja). É uma coexistência perfeitamente natural na cultura portuguesa. Deus é bom mas nós somos miseráveis, mas somos Deus porque somos os únicos que temos a consciência dessa miséria. Mais ninguém tem, nem pode ter. Por acaso, no Festival da Canção, achei a Madonna mais gordinha. Estava com uma "aura" meio portuguesa enquanto falava com o entrevistador. Não a senti muito à vontade, como é costume, no mundo das divas e dos prémios de música. Parecia desenquadrada da Europa. Tirando a pala no olho, havia nela qualquer coisa de casa de fado. Qualquer coisa de taberna da Ribeira do tempo dos Descobrimentos onde as culturas se misturavam com o vinho. "Querem ver?" Perguntei a mim mesma. "Será que está a ficar portuguesa, será que está a ficar com dúvidas?". É que se está a conversa agora é outra. Ainda se torna numa pobre mulher que é Deus, e lá se vai a Madonna e a mandona. É que se for Madonna, ninguém acredita e se for mandona, ninguém lhe perdoa em Portugal. Se for uma pobre mulher que é Deus, que não acredita que seja a Madonna e que não se perdoa se for mandona, então é portuguesa. Lá que está mais gordinha, está.
quinta-feira, 30 de maio de 2019
O pai
Hernâni Taveira, meu pai, morreu quando eu tinha 8 meses, em Inglaterra, onde estudava Belas-Artes e onde nasci. Dele, apenas soube o que a minha mãe me contava. A irmã, Elsa, ficou em Inglaterra onde casou e teve pelo menos um filho. Nunca tentou algum contacto com minha mãe. Não porque estivessem zangadas mas sim por causa do desgosto com a morte do meu pai que atirou a minha mãe para um choro convulsivo durante dois anos. Os meus avós paternos já tinham morrido. Nunca os conheci. Os amigos do casal (a minha mãe e o meu pai), depois da sua morte, afastaram-se. Talvez as amizades não fossem tão diferentes das de hoje e talvez a distância por dois anos em Inglaterra tenha levado igualmente a esse distanciamento. Sobraram poucos desenhos. O meu pai teve uma vida atribulada. Culto, educado no Congo Belga num Colégio de Jesuítas. Dava-se com a intelectualidade da época, onde conheceu a minha mãe. Era generoso e dava muitos desenhos. Quando tinha falta de dinheiro, trocava-os por almoços. Aqui, em Portugal, nessa altura, não se dava importância nem muita atenção a artistas que não fossem da vanguarda "abstracta". Como sempre, tudo o que vinha lá de fora era considerado melhor. Ainda hoje é assim. Deste modo, não tendo sorte por cá, onde deixou a obra dispersa, a maioria por dádivas, consultou o José Augusto França que o aconselhou a ir para Paris ou para Londres estudar porque aí, o seu figurativismo talvez fosse melhor compreendido. Escolheram, ele e a minha mãe, ir para Londres onde foi aceite numa das melhores escolas de Belas Artes só por ter mostrado os desenhos, sem qualquer teste. Viveu pouco tempo. Morreu com 36 anos, asmático desde a infância, doença que lhe roeu os pulmões a pouco e pouco. A minha mãe voltou comigo nos braços, bebé de oito meses. O que me contava dele era sobretudo as parecenças: o nariz, as pernas, o feitio, a introversão, a teimosia. "És igual ao teu pai", era recorrente. Dele sobrou uma cassete onde se ouvia ao longe a voz dele e que perdi nas confusas mudanças de casa a que tenho sido obrigada ao longo da vida. Tenho desenhos dele no corredor. O meu irmão (meio irmão mais novo, filho de outro pai) guarda na casa dele um óleo que fez em Inglaterra. O resto, dispersou-se. Cá, não foi apreciado e sentiu-se com isso. É natural. Foi por isso que foi para Londres, porque também já não aguentava o fascismo e porque queria aprender. Morreu a dias da sua primeira exposição que seria em Maio. Nunca a chegou a fazer. Sei que trago parte dele comigo. O seu silêncio interior, sobretudo. A sua paciência. A sua teimosia. E outras coisas. Deus leva cedo os que ama, dizem. No caso dele, sei que sim.
Coincidências
Desenho do meu pai postado no Facebook em 2011 (pelo menos é o que consta) por Castro Ferreira. Este desenho não conhecia.
O cérebro
Pintura de Cynthia Guimarães Taveira
A propósito de cérebro. A árvore é um dos símbolos mais completos do ser humano. Mas é igualmente um dos símbolos mais completos dos mundos e da sua interpenetração. Como o cérebro, toma caminhos e, a cada nó, há um ponto de contacto que permite a entrada numa nova realidade. Na verdade, parece um jardim naquilo que tem de aparentemente aleatório mas, formando, no conjunto, uma harmonia bem visível, como nas árvores. Os quatro rostos significam naturalmente direcções no espaço mas também os limites. O infinito está sempre para além dos mundos. Há eixos e depois ramificações que, quando se tocam, conduzem à possibilidade das paralelas se tocarem igualmente porque, na aparente curvatura das ramificações, existem paralelas, e essas, algumas, por vezes e e sob determimadas condições que são sobretudo indeterminadas chegam a tocar-se. Assim, encontram-se outras realidades ou mundos. O universo é apenas uma imagem de universos muito maiores. Naturalmente que o símbolo da árvore e dela como símbolo do ser humano, juntos, na mesma natureza, sintetizam (e por isso o ser humano é também símbolo) a realidade e o transcendente. Juntos formam os limites ou condições - nenhuma árvore cresce até ao infinito. Como tudo o que é limite é proibitivo, também, muito naturalmente, é produzido pelo ilimitado. Isto vem tudo escrito na tradição hindu.
quarta-feira, 29 de maio de 2019
Acontece nas melhores famílias...
O telejornal da TVI, hoje, foi uma aventura da Anita na Arte. Por um lado, o Museu do Louvre está sobrecarregado com população de visitantes (como o Everest está com alpinistas) ao ponto dos funcionários não terem para onde se virar. Entrevistaram uma americana que se proclamou (como tenho uma consciência muito "expandida" já emendei "autoproclamou" para "se proclamou-"... ) sendo, e cito, "uma grande fã da arte". Espero, sinceramente, que tenha gritado, chorado e arrancado os cabelos, ao ver a Mona Lisa (coisa que não fez porque o Museu fechou mas estou certa de que o faria se pudesse). Por outro lado, esta obra que aqui mostro é uma grande obra prima feita por robôs que podem encontrar neste momento no Museu Calouste Gulbenkian na exposição "Cérebro - mais vasto que o mundo". Dizia o repórter que o cérebro parecia um jardim. Fabuloso! Um jardim! E que havia ainda certos (cito) "fantasmas deste tipo": os antigos dividiam a mente entre o fígado (correspondente aos desejos), o coração (correspondente as emoções) e o cérebro (correspondente ao raciocínio). Uns "fantasmas" terríveis, já se vê! Depois, e para não ficarmos por aqui, aparece o autor da obra que mostro, Leonel Moura, que faz um discurso assim sobre a sua criação de robôs pintores: "Na arte de hoje, desde o modernismo, o assunto da arte é a arte, não é fazer paisagens, não é fazer retratos, não é fazer coisas bonitas. O grande assunto da arte é a arte e, portanto, estou aqui como artista a ampliar o campo da arte para a possibilidade das máquinas também poderem criar objectos que nós chamamos arte. Eu de certa maneira sou um artista que cria artistas".
Pois muito bem. Não nego o interesse da ciência. É interessante. Como o interesse da História, também é interessante. No entanto, estas coisas fizeram-me logo lembrar aqueles pianos que tocavam sozinhos. Não é novidade. Depois, se o assunto da arte é a arte, então não é arte, é Teoria da Arte, o que é bastante diferente. Depois, o que acontece, é que sendo o assunto "a arte", a arte fica pelo caminho e ficamos com o assunto. A obra representativa acima diz tudo. De maneira que, isso de fazer coisas bonitas é hoje qualquer coisa de "velho", "ultrapassado", o que é deverás estranho porque se o cérebro "parece um jardim", não creio que os jardins sejam qualquer coisa que "passem ao lado do belo". E concluindo, está tudo doido. Porque não há outra explicação. Nem para tudo o que "aconteceu" hoje no final do jornal da TVI, nem para a "linda" obra acima. Eu é mais... os meus quadros e dou graças por ser uma individualista. Cada vez mais. Só aceito a companhia do belo. Sem arrancar os cabelos, já agora. É que os "fãs' sempre foram tontinhos. E são.
Pois muito bem. Não nego o interesse da ciência. É interessante. Como o interesse da História, também é interessante. No entanto, estas coisas fizeram-me logo lembrar aqueles pianos que tocavam sozinhos. Não é novidade. Depois, se o assunto da arte é a arte, então não é arte, é Teoria da Arte, o que é bastante diferente. Depois, o que acontece, é que sendo o assunto "a arte", a arte fica pelo caminho e ficamos com o assunto. A obra representativa acima diz tudo. De maneira que, isso de fazer coisas bonitas é hoje qualquer coisa de "velho", "ultrapassado", o que é deverás estranho porque se o cérebro "parece um jardim", não creio que os jardins sejam qualquer coisa que "passem ao lado do belo". E concluindo, está tudo doido. Porque não há outra explicação. Nem para tudo o que "aconteceu" hoje no final do jornal da TVI, nem para a "linda" obra acima. Eu é mais... os meus quadros e dou graças por ser uma individualista. Cada vez mais. Só aceito a companhia do belo. Sem arrancar os cabelos, já agora. É que os "fãs' sempre foram tontinhos. E são.
A Física Quântica
Pintura de Cynthia Guimarães Taveira
Foi desde que a física quântica passou a ter explicação para as minhas intuições e os meus saltos temporais assim meio místicos que me tornei uma pessoa muito mais tranquila. Nada como a explicação racional de cientistas para nos sossegar e deixar com um sorriso nos lábios permanente. Se o problema fossem as explicações, então, com o grau de "sabedoria" que a ciência já obteve, tínhamos finalmente entrado no paraíso, ou na Idade de Ouro, ou sei lá, qualquer coisa. Mas alguma coisa está muito mal quando a "sabedoria" não chega para endireitar as coisas e, das duas uma, ou não é "sabedoria" nenhuma ou pura e simplesmente ainda não é tempo de "endireitar" as coisas, o que aliás vai dar no mesmo. Isto como resposta a um vizinho meu que deveria estudar matemáticas puras em vez de cantar versos de Camões, cuja personalidade, aliás, está a quilómetros de distância, bem como a de Fernando Pessoa, deste gnosticismo moderno, no qual a ciência explica tudo e não "joga aos dados". Na verdade até não joga mas, visivelmente, o mundo não está preparado para ver a "ordem", porque se a tivesse visto, estaria o mundo assim? Não. E tampouco conhece ou sabe aquilo que é a simultaneidade vertical. Fica-se pela horizontal. Mas, os místicos, ficam muito mais tranquilos porque a "ciência" ex-pi-li-ca como o chinezinho que limpa-o-pó, não arrumando, no entanto, o resto da casa.
terça-feira, 28 de maio de 2019
Os Lusíadas
Há uma urgência em publicar num país onde não se lê que me deixa abismada.
E há uma urgência em mostrar pintura, num país que não sabe ver que me deixa atónita.
Para publicar temos, em bom português, que nos "fazer ao bife", frequentar salões e dizer "tchim, tchim".
Para mostrar pintura, temos que rastejar, pedir por favor, enviar não sei quantos portfólios que nunca fazem justiça ao original e, no fim, levar sempre um rotundo "não" seja qual for a razão evocada.
Na verdade, o inferno são os outros. Quando escrevo não estou a fazer favor a ninguém, não me estou a "fazer ao bife", nem a mostrar uma simpatia que não me apetece ter quando escrevo.
Quando pinto, estou em paz, e se me ajoelho é por outras razões, não para implorar a atenção de simples humanos...
O "depois", sinceramente, já deixou de ser comigo há muito tempo. O "depois" fica com o inferno que os "outros" sabem ser e deve ser a única coisa em que dou razão a Sartre. No meu caso, deixei de me preocupar com o meu próprio inferno, visito-o quando tenho saudades do seu calor, saio dele a sorrir para a luz do dia onde há só anjos à minha espera e que são absolutamente invisíveis aos outros que estão sempre no "inferno" e de lá poucos e por pouco tempo saem no que respeita a mim. De maneira que quando me trazem fórmulas dantescas, prefiro Camões. É mais português e é outra coisa. Completamente desconhecido da Tradição Católica que é Italiana e não portuguesa. Além disso, em Camões, não há fórmula que o espartilhe porque volta e meia, caía no chão, morto de amor e o amor não têm fórmulas. Tem doidos. Desde o cupido aleatório às suas vítimas. Tentou visualizar-se no teatro escrito por Camões uma espécie de "arquétipos" sobre o amor que poderiam, de alguma forma, pairar na sua poesia lírica. Talvez possa haver alguns pontos de contacto mas, na verdade, quando nos Lusíadas os portugueses chegam à ilha dos amores, aquilo é selvagem. Aquilo é apaixonante, aquela caça, aquele Leonardo extravagante. E o poema longo, a epopeia que o grande poeta escreveu mantém-se aberto, de par em par, para quem nele se queira aventurar. Dante, é um tremendo problema de consciência, dele e dos outros e acaba beato, submisso à Igreja, por medo, claro. Camões, é livre, e quando os marinheiros regressam, regressam porque querem e não regressam para os braços da Igreja, regressam à sua gente, com histórias para contar. Dante é apenas um momento, um breve momento, na viagem lusitana. A diferença reside em saber que, por vezes, o inferno são mesmo os outros e que não está dentro de nós mas na imaginação daqueles que são o próprio inferno e que só sabem ver o inferno em nós e é por isso que os Lusíadas acabam com a palavra inveja, explicada por António Telmo como sendo uma espécie de cegueira. Uma cegueira que não lê, nem vê.
Estrela
A vantagem da estrela reside em poder olhar para todas as direcções.
Amanheceu e anoiteceu e a estrela está sempre no horizonte.
A frescura reside em poder olhar em todas as direcções.
Dispersa e central.
Não há rota nem rito que não toque com os seus raios.
Nem adulação ou revolta que não provoque.
E olhar com o próprio coração em todas as direcções.
Residindo no átomo que nunca é átomo mas o equivalente dele por toda a parte.
Anulando o átomo por toda a parte.
Verificando as fórmulas até desaparecerem.
Inaugurar a liberdade em cada olhar.
Visível e invisível, se de luz se mostra e em trevas se esconde.
Não há como entender o processo criativo. Entendê-lo como discurso, não é possível.
O que há na sua ante-câmara é tão somente procura.
Quando te levam a procurar, conduzem-te a criar.
Se recusas procurar, recusas criar.
Se recusas criar, não podes sair. Ou antes, não podes entrar (uma entrada que parece uma saída).
Enquanto estiveres de joelhos não podes criar e só podes criar se estiveres de joelhos.
segunda-feira, 27 de maio de 2019
A geração Erasmos
https://tvi24.iol.pt/videos/opiniao/nao-percebo-como-e-que-a-geracao-erasmus-fica-em-casa/5cead5150cf28b07e0c1fd13
Miguel:
Perdoa-me tratar-te por tu, não é desrespeito, é porque li livros teus e gostei tanto deles que já me sinto à vontade para o fazer. Sei que é um escândalo intelectual dizer que gosto do modo como escreves mas, sinceramente, estou-me nas tintas. Gostei do "Equador", adorei o "Não te deixarei morrer, David Crockett", gostei do nostálgico "No teu deserto: quase romance", gostei do "Sul,viagens", do "Não se encontra o que se procura" e deste último, "Cebola crua com sal e broa", com uma memória prodigiosa de tempos conturbados em Portugal.
Agora dei contigo espantado pelo facto da geração Erasmos não ir votar - esta geração de estudantes universitários é "melhor" do que a minha que foi apelidada de "geração rasca" -embora eu e muitos outros nunca tenhamos participado no protesto que ficou conhecido por terem, os jovens, alguns da minha turma, aliás, mostrado o rabo aos ministros por não estarem de acordo com as propinas - mas esta não é rasca, é Erasmus, é outra coisa, herdeiros do viajante... e de facto, Miguel, a única coisa que querem, realmente, com este programa, é sair do país e de casa dos pais por uns tempos.
Não estranhes, por favor, o que te vou dizer, mas esta geração não foi habituada a pensar. No meu tempo, quando havia congressos ou conferencistas nas universidades, os auditórios enchiam-se. Havia até congressos pagos para os quais tínhamos que nos apressar se queríamos arranjar bilhete. Infelizmente, segundo informações recolhidas, esse tipo de actividades académicas fica, hoje em dia, mais ou menos às moscas. Outra informação que obtive é que esses jovens "não se conseguem concentrar" na sua generalidade. Uma outra diz respeito às drogas que são muitas e invadem todos os espaços de ensino o que me parece não fazer muito bem ao cérebro, sobretudo, se for uma rotina. Também sei que a maioria escolhe os cursos, não por vocação mas sim por "possíveis saídas", pelos "eventuais empregos" que possam dar. É uma geração muito "preocupada" com o ambiente, não porque pense, mas porque foi bombardeada na infância e no liceu por "actividades" em prol do ambiente (se isso der alguns frutos, já não é mau de todo e não há-de ser, estou certa, pela acção desse partido sinistro chamado PAN), mas, de resto, e ao contrário do que afirmou no Governo Sombra, João Miguel Tavares, não é uma geração "madura" e preparada para votar. Ou antes, é madura pela proximidade do "podre" mas só isso. É uma geração criada pela NET (a anterior era a geração MTV), pelas redes sociais, pelo desemprego (a minha já era, não é de agora), pela ausência de leituras, por "Bolonha" que tornou os cursos fast-food, enfim, uma geração coxa, cujo único associativismo que conheceu foi o dos clubes de futebol, as associações de estudantes, os escuteiros e as associações ligadas às paróquias e, é claro, as "praxes" sanguinárias e os "comas" das fitas onde bebem até cair para o lado. Se lhes dão a oportunidade de saírem do país por algum tempo, então, "bora, vamos lá", de maneira que entendo perfeitamente que votes e que gostasses que houvesse mais participação nas eleições, mas há um facto qualitativo que estraga esta democracia que já é estragada, esse facto chama-se "cansaço" ou "desalento". A maioria dos portugueses está cansada, falo dos adultos, e a maioria dos jovens já nasceu cansada... Os jovens, se lhes falam da causa ambiental, levantam logo o dedo a favor porque foram educados para serem sensíveis a isso, mas se se falar doutro outro assunto qualquer que não seja ou esse ou futebol, lá se vai a sensibilidade toda e já é muito difícil "desenvolverem", porque foram educados numa sociedade, cada vez mais, de dia para dia, imbecil. Entendo perfeitamente o esforço que foi feito para que houvesse Democracia em Portugal depois do Salazar mas, sinceramente, sem "Espírito" de nada valem as boas intenções, e o Espírito só se encontra por uma espécie de "holismo" cultural e para isso é necessário ir às fontes antigas, beber daí e só depois "inovar", se for caso disso... de maneira que, do Erasmus, restou o "então, bora lá" e pouco mais. Não se vota porque cada um vive no seu planeta e porque as democracias doentes não servem para nada. Não votam porque estão tontos (quaisquer que sejam as razões dessa tontice: álcool, drogas ou ignorância) e porque não há democracia nenhuma ao contrário daquilo que nos dizem todos os dias... O que há, já o disse anteriormente: uma ditadura camuflada de uma oligarquia de vigaristas eleitos por meia dúzia de cegos que estão convencidos que vivem numa democracia.
Assim, olha, embora não concordando contigo nessa coisa do "voto", continuarei a ler com todo o gosto os teus livros.
Atenciosamente,
Cynthia Guimarães Taveira
Miguel:
Perdoa-me tratar-te por tu, não é desrespeito, é porque li livros teus e gostei tanto deles que já me sinto à vontade para o fazer. Sei que é um escândalo intelectual dizer que gosto do modo como escreves mas, sinceramente, estou-me nas tintas. Gostei do "Equador", adorei o "Não te deixarei morrer, David Crockett", gostei do nostálgico "No teu deserto: quase romance", gostei do "Sul,viagens", do "Não se encontra o que se procura" e deste último, "Cebola crua com sal e broa", com uma memória prodigiosa de tempos conturbados em Portugal.
Agora dei contigo espantado pelo facto da geração Erasmos não ir votar - esta geração de estudantes universitários é "melhor" do que a minha que foi apelidada de "geração rasca" -embora eu e muitos outros nunca tenhamos participado no protesto que ficou conhecido por terem, os jovens, alguns da minha turma, aliás, mostrado o rabo aos ministros por não estarem de acordo com as propinas - mas esta não é rasca, é Erasmus, é outra coisa, herdeiros do viajante... e de facto, Miguel, a única coisa que querem, realmente, com este programa, é sair do país e de casa dos pais por uns tempos.
Não estranhes, por favor, o que te vou dizer, mas esta geração não foi habituada a pensar. No meu tempo, quando havia congressos ou conferencistas nas universidades, os auditórios enchiam-se. Havia até congressos pagos para os quais tínhamos que nos apressar se queríamos arranjar bilhete. Infelizmente, segundo informações recolhidas, esse tipo de actividades académicas fica, hoje em dia, mais ou menos às moscas. Outra informação que obtive é que esses jovens "não se conseguem concentrar" na sua generalidade. Uma outra diz respeito às drogas que são muitas e invadem todos os espaços de ensino o que me parece não fazer muito bem ao cérebro, sobretudo, se for uma rotina. Também sei que a maioria escolhe os cursos, não por vocação mas sim por "possíveis saídas", pelos "eventuais empregos" que possam dar. É uma geração muito "preocupada" com o ambiente, não porque pense, mas porque foi bombardeada na infância e no liceu por "actividades" em prol do ambiente (se isso der alguns frutos, já não é mau de todo e não há-de ser, estou certa, pela acção desse partido sinistro chamado PAN), mas, de resto, e ao contrário do que afirmou no Governo Sombra, João Miguel Tavares, não é uma geração "madura" e preparada para votar. Ou antes, é madura pela proximidade do "podre" mas só isso. É uma geração criada pela NET (a anterior era a geração MTV), pelas redes sociais, pelo desemprego (a minha já era, não é de agora), pela ausência de leituras, por "Bolonha" que tornou os cursos fast-food, enfim, uma geração coxa, cujo único associativismo que conheceu foi o dos clubes de futebol, as associações de estudantes, os escuteiros e as associações ligadas às paróquias e, é claro, as "praxes" sanguinárias e os "comas" das fitas onde bebem até cair para o lado. Se lhes dão a oportunidade de saírem do país por algum tempo, então, "bora, vamos lá", de maneira que entendo perfeitamente que votes e que gostasses que houvesse mais participação nas eleições, mas há um facto qualitativo que estraga esta democracia que já é estragada, esse facto chama-se "cansaço" ou "desalento". A maioria dos portugueses está cansada, falo dos adultos, e a maioria dos jovens já nasceu cansada... Os jovens, se lhes falam da causa ambiental, levantam logo o dedo a favor porque foram educados para serem sensíveis a isso, mas se se falar doutro outro assunto qualquer que não seja ou esse ou futebol, lá se vai a sensibilidade toda e já é muito difícil "desenvolverem", porque foram educados numa sociedade, cada vez mais, de dia para dia, imbecil. Entendo perfeitamente o esforço que foi feito para que houvesse Democracia em Portugal depois do Salazar mas, sinceramente, sem "Espírito" de nada valem as boas intenções, e o Espírito só se encontra por uma espécie de "holismo" cultural e para isso é necessário ir às fontes antigas, beber daí e só depois "inovar", se for caso disso... de maneira que, do Erasmus, restou o "então, bora lá" e pouco mais. Não se vota porque cada um vive no seu planeta e porque as democracias doentes não servem para nada. Não votam porque estão tontos (quaisquer que sejam as razões dessa tontice: álcool, drogas ou ignorância) e porque não há democracia nenhuma ao contrário daquilo que nos dizem todos os dias... O que há, já o disse anteriormente: uma ditadura camuflada de uma oligarquia de vigaristas eleitos por meia dúzia de cegos que estão convencidos que vivem numa democracia.
Assim, olha, embora não concordando contigo nessa coisa do "voto", continuarei a ler com todo o gosto os teus livros.
Atenciosamente,
Cynthia Guimarães Taveira
A oligarquia
Os números elevadíssimos da abstenção de ontem mostram bem que vivemos numa ditadura camuflada de oligarquia de vigaristas eleitos por cegos que pensam que vivem numa democracia. Foram necessários vários séculos para chegarmos a este grau de elaboração. É como a tecnologia. Uma civilização de tecnológicos estúpidos, brilhantes como néon.
O número é que conta. A matemática é exacta. A qualidade é que não tem lugar nem submete a matemática aos seus desejos. Por isso, querem fórmulas. Têm fórmulas.
domingo, 26 de maio de 2019
Na verdade...
Perguntei a um aluno se sabia qual era o Rei a quem Camões tinha dedicado os Lusíadas. Respondeu-me: O Napoleão.
Os republicanos, em Portugal, puseram a maioria das pessoas a ler e a escrever, agora só falta um Rei para lhes pôr ordem nas cabeças.
Segregação inesperada
Pintura de Cynthia Guimarães Taveira
- Então, você dá-se com essa gente?
Referia-se a "intelectuais".
Dei uma gargalhada!
Pérolas
Como flores são
Maravilhosas pessoas
No caminho de pedras
A quem faço reverência
Por terem sido só flores
sábado, 25 de maio de 2019
Franqueza
Gosto deste mar
E de tudo o que não disse
Nem disseste
Nesse mar vivem todas essas palavras
Caladas, à espera
Espuma de Afrodite,
Perto de eclodir
Em terra firme
Gosto dessas palavras
Sempre à beira-mar
De serem ditas
Se as disseres
Se as disser
Os teus olhos
Serão a eterna surpresa
Do pôr do sol
Os meus, já são
Não as calo em mim
Estão vivas como uma novidade
E são eternas como uma coisa antiga...
(Cynthia Guimarães Taveira)
quinta-feira, 23 de maio de 2019
A Catarina
A Catarina que tem onze aninhos ontem olhou-me nos olhos e disse-me:
- Eu sou Fernando Pessoa.
Respondi-lhe:
- Isso é tão bom Catarina! Agora já podes escrever poesia. Fernando Pessoa adoraria que escrevesses poesia.
O Império do Espírito Santo há-de ser assim: dos poetas.
Os espirituais e a prateleira
Aos “espirituais”, quando lhes dá para a “sociedade”, ficam
parecidos com aquela parte pior da nobreza inglesa, com uma espécie de snobismo
injustificado: “Fulano de tal vai estar
na ‘recepção’? Não? Ah, largou completamente a Vida e dá longos passeios na sua
propriedade, de certeza, a falar de ovelhas...” e prosseguem, com aquele nariz
arrebitado e gestos herdados dos dandys porque têm de ir buscar alguma
imaginação a algum lado.
Já ouvi coisas semelhantes por parte dos “espirituais
sociais”: “Então e fulano de tal? Ninguém sabe dele? Pois, está numa
prateleira”. Essa prateleira é constituída por aquilo que depois chegam a
chamar de “egoísmo” ou “falta de generosidade”, de “isolamento” voluntário ou
não, de “desistência” mas,
fundamentalmente, a prateleira é “ficar fora”, “não ir”, “não se mostrar”.
Ainda me hão-de explicar qual é o minímo aceitável de pessoas a quem temos de
nos “mostrar” para estar dentro, mas, provavelmente tem um número limitado por
“grupo” porque para que nos “mostremos” convém estar num qualquer “grupo”,
convinientemente escudados não vão as coisas “dar para o torto”, coisa que em
Portugal dão sempre devido à fórmula judaica: “Onde há dois judeus, há três
opiniões” algo que funciona na perfeição
para o caso português só que elevada à potência de 'grupos': “Onde há dois ‘grupos’, há, pelo menos e
muito modestamente, três ‘grupos’». Ora,
esta fórmula aplicada à capacidade de desavenças e de má língua (em Portugal
ninguém escreve textos públicos como este porque fica logo proescrito), faz com
que ecludam, frequentemente, várias explosões, feitas por pequenos grupos de guerrilheiros
que, por uma razão ou por outra, entram em desacordo com qualquer coisa.
Nisso, o nosso “ambiente espiritual” é muito semelhante ao da América Latina...
Os da “prateleira” parecem estar condenados a não escrever,
a não estudar, a não criar segundo os “espirituais sociais” uma vez que não
atingem “os mínimos” de público necessários para serem considerados
“espirituais”. No entanto, podemos
acrescentar que, do mesmo modo que aos da “prateleira” lhes passa ao lado os
“eventos”, quaisquer que sejam, lançamentos, publicações, exposições, também o
inverso se dá. Os da "sociedade” que é sempre “inocente”, “generosa”, “boa”, “compreensiva”,
“contemplativa”, quando não estão a guerrear o próximo, actividade que lhes
ocupa praticamente todo o tempo porque o cerco que fazem uns aos outros é tão
apertado que só para o “furar” são necessárias não sei quantas “jogadas” (para
eles a vida é um jogo no cabaré da coxa) para, enfim, mostrarem uma qualquer
“criação”, quantas vezes executada mais para “atirar” à cara de algum alvo
específico do que propriamente e exclusivamente para um público que sabe sempre da missa a metade. Na verdade, todos eles, os “espirituais”, sabem sempre da missa
a metade porque estão sempre preocupados com um detalhe ou outro mas quando
escrevem pensam que dão a missa toda... de maneira que se vê, nitidamente, por estas
metades, que têm o público que merecem, de quem abusam e do qual vivem. Mas não
tem importância nenhuma porque esse público, uma parte dispersa-se pelo caminho
ao longo dos anos (a maioria), outra parte, torna-se em “social espiritual” e
outra, uma percentagem muito reduzida, para não dizer reduzidíssima, vai para a
prateleira. Seja lá o que isso for. Porque da prateleira ninguém sabe dizer
concretamente nada, apenas podem formular “opiniões” e já se viu o que é que se
passa com as “opiniões”: provocam guerrilheiros, que provocam guerrilhas que
provocam guerras. Uma autêntica espiritualidade activa para ver quem é que
chega mais depressa ao “fim da via”, qualquer que esta seja... uns, já agora,
dizem que têm uma “via” comum, outros dizem que cada ser tem uma “via”, factos
que por si só não dizem nada, nem resolvem o problema das prateleiras. Ainda
bem que estão cheias de livros... ao menos distraímo-nos com eles. E são mais
sossegados. Alguns livros são. Outros, bem, outros... não nos deixam estar em
paz na prateleira. Um desassossego. Ainda bem que os “espirituais sociais” são
tranquilos e desasossegados. Valha-nos isso! Que seria de nós na nossa
prateleira?
segunda-feira, 20 de maio de 2019
Escadas
Desce e sobe as escadas
Na vertigem do tempo
Passo, outro passo
Desce em música
Sobe em espírito
Não vê o relógio
Não tem horas, nem tempo
Desce e sobe as escadas
Nas casas esperadas
Nas mansões filosofais
Nas pesquisas de improviso
Nas enormes estradas do mundo
Nas pequenas flores que dele leva
Desce e sobe das origens ao futuro
Lembra-se de algumas
Mais de que outras
Lembras-te daqueles degraus
Em que me seguraste o braço?
Vi o teu pânico se me escapasse
Vi quem olhavas quando as subias
Vi quem por detrás da cortina procuraste
Não contemples templos que não sabes
Não procures paz para a guerra que fizeste
Procura antes na memória os degraus que maldisseste
Refaz todo o caminho do princípio até que saibas
Que antes de cantares já a música soava
E pelos degraus já esvoaçava
E uma outra mão me segurava sem que o quisesse
Não contemples templos que não mereces
Por não teres visto as escadas do infinito
Da origem ao lugar onde desfaleces...
domingo, 19 de maio de 2019
A auto-proclamação e o alegadamente
No sistema judicial actual em vigor relativo às relações humanas com qualidade está escrito no artigo 1/1 do decreto-lei 1O1 / Tanto Faz:
"Todo ser humano que o queira ser verdadeiramente deve viver encarcerado numa auto-proclamada solitária devido a uma alegada vitimização."
Lição de António Quadros
Pintura de Cynthia Guimarães Taveira intitulada
"A Revelação de Téthys" (técnica mista 120x80 cm)
doada à Fundação Lusíada e
para publicação na obra de Abel Lacerda
"Re-Velando Os Lusíadas", Ed. Trás-os-Montes e
Alto Douro-Atlântida Nova, 2017
A lição de António Quadros é um conjunto de parágrafos retirados das notas introdutórias da sua obra "Estruturas Simbólicas do Imaginário na Literatura Portuguesa", Edições Átrio, Lisboa, 1992, págs. 10 e 11 e diz assim:
"Um livro (como um quadro ou um projecto arquitectónico) começa por ser, não uma carpintaria mais ou menos hábil, mas uma estrutura complexa, cujo santo dos santos é o seu dizer secreto, o seu simbolismo. É esse simbolismo que lhe confere o sentido e o faz mais do que um objecto estético pouco ou muito conseguido. Não é óbvio, tal simbolismo, mas se o leitor se aproximar, o desvelar, o fruir, poderá então acompanhar o autor na sua apaixonante procura, que é como uma peregrinação que revelará muitas surpresas.
(…) Mas esta função simbólica da estrutura cultural de uma obra só se encontra em autores que sejam grandes espíritos; nos pequenos o que conta é a anedota, o pormenor, a ilustração, o tique da época.
Verdadeiramente o que mais nos interessa no imaginário pessoal destas estruturas simbólicas, que são as obras literárias, é o seu diálogo com o imaginário mais universal das estruturas culturais dos povos em que enraízam, das paidéias que os formaram: a matriz secular, uma herança tradicional, uma língua de comunicação e de expressão, um acervo de palavras significativas e dificilmente traduzíveis, um projecto de civilização.
É o diálogo da micro-estrutura com a macro-estrutura, diálogo que constitui a vida profunda, ante-pedagógica, ante-política, ante-cultural da comunidade.
Alguns grandes escritores e artistas mergulham neste húmus inconsciente e espontâneo para nele se alimentarem e para a ele doarem a sua imaginação renovadora e o seu imaginário próprio. São os que dão vida, alento e calor ao seu povo; são os que descobrem todos os dias a riqueza inesgotável do imaginário que ele trouxe da sua viagem pelo tempo: mitos, arquétipos, modelos, uma vivência do sagrado, uma vivência dos padecimentos do sagrado, o sentido do seu "estar no mundo" para lá de cada época e, como enfim, assumiram a herança de um imaginário, não para o receber estaticamente, mas para o dinamizar e renovar.
Outros, por porém, que menos nos interessam neste livro, reforçam o negativo, fazem por desconhecer o trigo e arvoram triunfalmente o joio. Que têm uma função dialéctica, diz-se. Seja, mas não vamos perder tempo com espíritos pequenos, porque a universos mentais pobres correspondem literaturas pobres e irremediavelmente passageiras, sejam quais forem os aplausos do momento. Aliás, olhemo-las só por uns instantes e logo se descobre o aleatório, o sofístico, o sensacionalista, a marca do trauma não sublimado."
Os improfundos
Quando os "esotéricos" nada têm a dizer, transformam-se em aulas de cidadania. Deste modo o esoterismo está em todas as escolas onde há cidadania. Onde há aulas de cidadania há delinquentes ou crianças. Deste modo as aulas de cidadania são dadas por esotéricos delinquentes ou infantis. Aquilo com que o povo salta é com futebol. Nunca o vi exaltar-se, excitar-se ou emocionar-se com questões filosóficas. O povo de agora, evidentemente, convinientemente treinado nas aulas de cidadania para que possa exceder-se nos festejos com direito a desculpabilização colectiva. Quando os "esotéricos" nada têm a dizer dão aulas de cidadania ao povo para que ele possa festejar em paz, beber, gritar, insultar e fazer figura de parvo. As aulas de cidadania dos "esotéricos" que nada têm a dizer são dadas por crianças e delinquentes para que os outros possam ser crianças e delinquentes. Isto claro está, numa perspectiva esotérica verdadeira. Quando os "esotéricos" nada têm a dizer são como os professores das escolas normais, tornam-se um reforço do ensino formatado e nada mais. Há tanto esoterismo em afirmações de "esotéricos" que nada têm a dizer como há peixes no sol. A tendência descendente é absoluta, obsoleta e nem chega a ter "poeiras de absurdo". Isso seria pedir demais...
sábado, 18 de maio de 2019
O museu das coisas antigas
https://www.msn.com/pt-pt/video/sicnoticias/diretor-do-museu-de-arte-antiga-mant%C3%A9m-decis%C3%A3o-de-se-demitir/vi-BBTyqqJ
A senhora ministra da cultura sofre da síndrome partidária e, a julgar pelo amor que demonstrou à colecção Berardo, só gosta de coisas novas. Portanto, temos uma tutela da cultura e da pintura que não percebe nada de arte tal como Berardo não percebe nada de arte.
O Museu de Arte Antiga merece todo o apoio do Estado. Não há volta a dar.
Estou ciente que sou retrógrada em matérias artísticas e talvez seja por não conseguir dissociar o ser humano da arte. Se me derem a escolher ir para uma ilha deserta com obras representativas cujos critérios fossem "o belo" ou "a expressão", não hesitava em escolher o "belo" porque o belo coincide sempre com a "expressão" já a "expressão" nem sempre (e cada vez menos) coincide com o belo. É difícil viver assim. A determinada altura desiste-se, fechamo-nos em casa e pensamos que este mundo não está feito para pessoas da minha espécie. Nem tudo deveria ser uma guerra, nem tudo tem de ser uma guerra. Há coisas óbvias que se vêem ou não vêem. Já me acusaram de desistir sem perceber que quem desistiu foi o próprio público. O próprio público vendou os olhos e foi levado a isso. As educações modernas promovem a "tolerância" até onde ela é ridícula. Por isso promovem a cegueira. Esta Ministra é muito moderna. Moderna demais para ir ao Museu de Arte Antiga. É mais uma. As pessoas estão-se nas tintas sem pegarem num pincel. Tive a sorte de encontrar pessoas que me disseram que estava certa nesta minha sensibilidade. Foram muito poucas mas deram-me algum consolo. Recordo-as e vejo-as como ilhas únicas isoladas no meio do caos. Houve pessoas que perceberam tudo. Que perceberam que o ser humano não é indissociável do que faz. Que ambas as coisas contam e são importantes. São todos cabeças antigas com um respeito imenso pelo belo. O respeito neste caso é muito belo. Há certos olhares que não esqueço, tão profundos e tão compreensivos. Conheci muitas pessoas que não perceberam nada. Porque perceber é algo interno que se sente e não é visível. Houve pessoas que brincaram comigo como se eu fosse um brinquedo. Como se a arte fosse um brinquedo. Vivemos uma ditadura profunda que se vê apenas pelas atitudes. Pelos troca-tintas que não pegam num pincel. Que não sabem nada. As ditaduras são visíveis pelos frutos. E hoje ou não há frutos ou estão podres. Fechei-me pela incompreensão dos outros. Cansei-me. Mas sei que levo comigo tesouros.
A senhora ministra da cultura sofre da síndrome partidária e, a julgar pelo amor que demonstrou à colecção Berardo, só gosta de coisas novas. Portanto, temos uma tutela da cultura e da pintura que não percebe nada de arte tal como Berardo não percebe nada de arte.
O Museu de Arte Antiga merece todo o apoio do Estado. Não há volta a dar.
Estou ciente que sou retrógrada em matérias artísticas e talvez seja por não conseguir dissociar o ser humano da arte. Se me derem a escolher ir para uma ilha deserta com obras representativas cujos critérios fossem "o belo" ou "a expressão", não hesitava em escolher o "belo" porque o belo coincide sempre com a "expressão" já a "expressão" nem sempre (e cada vez menos) coincide com o belo. É difícil viver assim. A determinada altura desiste-se, fechamo-nos em casa e pensamos que este mundo não está feito para pessoas da minha espécie. Nem tudo deveria ser uma guerra, nem tudo tem de ser uma guerra. Há coisas óbvias que se vêem ou não vêem. Já me acusaram de desistir sem perceber que quem desistiu foi o próprio público. O próprio público vendou os olhos e foi levado a isso. As educações modernas promovem a "tolerância" até onde ela é ridícula. Por isso promovem a cegueira. Esta Ministra é muito moderna. Moderna demais para ir ao Museu de Arte Antiga. É mais uma. As pessoas estão-se nas tintas sem pegarem num pincel. Tive a sorte de encontrar pessoas que me disseram que estava certa nesta minha sensibilidade. Foram muito poucas mas deram-me algum consolo. Recordo-as e vejo-as como ilhas únicas isoladas no meio do caos. Houve pessoas que perceberam tudo. Que perceberam que o ser humano não é indissociável do que faz. Que ambas as coisas contam e são importantes. São todos cabeças antigas com um respeito imenso pelo belo. O respeito neste caso é muito belo. Há certos olhares que não esqueço, tão profundos e tão compreensivos. Conheci muitas pessoas que não perceberam nada. Porque perceber é algo interno que se sente e não é visível. Houve pessoas que brincaram comigo como se eu fosse um brinquedo. Como se a arte fosse um brinquedo. Vivemos uma ditadura profunda que se vê apenas pelas atitudes. Pelos troca-tintas que não pegam num pincel. Que não sabem nada. As ditaduras são visíveis pelos frutos. E hoje ou não há frutos ou estão podres. Fechei-me pela incompreensão dos outros. Cansei-me. Mas sei que levo comigo tesouros.
sexta-feira, 17 de maio de 2019
Tenho que explicar tudo?
Mesmo no fim do livrinho maravilhoso de Fulcanelli, "As Mansões Filosofais" diz ele, na última página que na Idade do Ouro, homens e mulheres apenas prestaram culto (ou gratidão) ao Sol que no caso da Alquimia simboliza o Espírito. Por outro lado quando se aproximam das mulheres porque são mulheres e eventualmente poderão conter em si o Espírito, então mais vale irem à Igreja porque para Negócios o Espírito não está nem aí e pura e simplesmente afasta-se. Por outro lado, ainda, o Espírito Santo sopra onde e quando quer, daí que a evocação da fêmea seja um aberrante meio mágico cujo valor é apenas isso mesmo, mágico e transitório. Ele (que é feminino) ouve quem o Evoca. Ouve tudo. O timbre, a voz o coração. Sabe. De maneira que, se fosse verdade que bastava evocar a fêmea para o Espírito aparecer, então, sei lá, tínhamos um planeta que era uma feira cheia de tendinhas de màgicos... ou magos ou coisa que o valha e o Espírito era confundido com tudo como já o é. De maneira que por mais traduções da Bíblia que me apresentem para dizer isto ou aquilo, se querem fórmulas então terão fórmulas e nada mais... Terão puras construções mentais. Uma outra coisa. A nossa noção de tempo linear é apenas uma percepção do tempo. Como um ponto de vista é um ponto de vista, sendo assim, o tempo é muito mais vasto e plástico do que parece. Mas se querem teimar na ignorância montem uma tenda numa qualquer feirinha medieval e dediquem-se à evocação gratuita como já o fazem e depois convençam-se do que entenderem. Dura pouco e é perder tempo. Kairos nada tem a ver com Kronos.
O feminismo e os evocadores de fêmeas
Não estou minimamente preocupada nem com a questão das "identidades" ou de "géneros" nem tampouco com o "feminismo" que agora, para se desculpar das aberrações que produziu, tomou várias tonalidades. Da mesma forma que encontramos nas cabeças (primeiro académicas) um leque vasto de géneros, já aqui demonstrados neste blogue, também encontramos não sei quantos tipos de feminismos, estilo "sou feminista mas não queimo sutiãs", "sou feminista mas não sou um homem", "sou feminista mas gosto de cozinhar em casa". Isto funciona como as leis, "quanto mais leis são necessárias mais a injustiça se propaga", nestas questões de "género" e de "feminismo" é o mesmo, quanto mais "tonalidades" maior a confusão e menor o respeito pelos seres humanos.
Não deixo de notar, no entanto, que uma mulher no meio de homens, ou se torna homem rapidamente ou é muito bem-vinda como meretriz. Entre as duas hipóteses não há mais nada porque quando Deus dividiu Adão em dois, o homem ficou com a incapacidade de se concentrar em mais do que uma ou duas coisas em simultâneo. Duas coisas em simultâneo já é uma dificuldade. Desta forma nasceu o machismo que existe e é implacável porque não tem várias tonalidades. É sempre igual a si próprio o que varia é apenas o grau de subtileza. Nesse aspecto é convincentemente solar, tem integridade e solidez e não espelha nada a não ser a sua condição de bestialidade. As bestas só se sabem concentrar numa única coisa. Foi assim que nasceu, igualmente, com base neste princípio, "o psicopata", que pode ser homem ou mulher. O "psicopata" é íntegro no sentido mais baixo do termo porque a integridade superior pressupõe a consciência límpida de todas as contradições. Deste modo, a forma como os homens tratam as mulheres neste país (não tenho nada a ver com o resto do mundo, o mundo é que tem a "haver" comigo), é um sublime gesto de machismo que resulta de uma incapacidade cultural e biológica. Quando batem estão mesmo a bater e nada os afasta dessa certeza absoluta de que essa tareia tem de ser efectuada na perfeição. Os homens assim são uns sentimentalistas... Sentem tanto que espancam e até matam. De maneira que, quando René Guénon afirma que a nossa sociedade está "feminilizada" pelo excesso de sentimentalismo só lhe posso dar razão. É esse excesso que conduz aos maus tratos e a psicopatologia é a doença inversa desse excesso que também aparece muito nos dias de hoje devido ao movimento pendular natural. Por outro lado, sabem aqueles mais profundos, que o "Espírito" é considerado feminino. É assim pensado na Tradição Judaica e é assim pensado na Tradição Portuguesa que, embora sejam de forma diversa são porém rostos de uma e mesma Tradição até porque só há uma. Na Teosofia encontramos o contrário do Espírito na Veneração a essa figura tutelar da confusão que foi a Madame Russa Blavlatsty. As mulheres de carne e osso não são para venerar (nem sequer os homens), porque apenas ao Espírito se deve reverência. No mundo Católico, com aquela história de Cristo-solar e a Mãe-lunar com um crescente aos pés, acaba por haver uma espécie de encosto confortável para o machismo e que se pode traduzir como algo "mulher que é mulher pensa pela cabeça do marido". No mundo satânico ou luciferiano (a paleta de opções é tanta nesses meandros que envergonha qualquer empresário detentor de hipermercados), passa-se o mesmo porque sofrendo do complexo de inversão face ao cristianismo o resultado é igual, foi assim que vi pessoas com ambições, visões e acções "pagãs", tanto muito "benignas" e longe de qualquer satanismo, como muito "malignas" e perto do satanismo (embora alguns satânicos digam coisas tão estranhas como "somos satânicos mas não somos maus", o que é uma contradição evidente e perigosa demais...) tratarem mulheres como "objectos veneráveis", foi o modo como resolveram a sua contradição inferior.
Por todas estas razões, e mais algumas haverá, talvez aquela do Martinismo e do Rosacrucianismo (das piores aberrações criadas, muito ao nível da paróquia) que tendem a tratar as mulheres pelo seu aspecto de pilha energética, conforme a maior ou menor interioridade dos círculos, é que dei por mim indiferente a essa questão "do ser mulher". Nasci mulher como podia ter nascido uma planta, uma garça, um tubarão. O Espírito é feminino porque é feminino e não anda a questionar esse facto. Tudo à volta do Espírito é que questiona esse facto. E quanto mais o questionam ou só colocam isso em evidência mais estragos fazem. Tanto na Veneração, como na Pseudo-Veneração, como na Rejeição. Quando se chegam ao pé de mim por ser mulher, chegam-se ao pé de todas as mulheres por serem mulheres e o Espírito fica de fora. Também é uma das constantes na nossa época. E o que eu tenho aturado, só Deus sabe...
terça-feira, 14 de maio de 2019
Os cães
Hoje os cães tiveram direito a um cozido à portuguesa. Não estou a brincar. Um cozido inteiro. Acho que ja não lhes vou dar latas hoje Quando vi o tamanho do cozido, fresco ainda por cima, ofertado, nem queria acreditar. À portuguesa.
Os impassíveis...
O que mais aprecio e admiro nos impassíveis (que normalmente afirmam e fazem questão de afirmar que são impassíveis para todos nós ficarmos a saber que eles são impassíveis) é o facto de terem conseguido ir mais longe do que Lao Tsé que afirmou:
"O calmo é o senhor do inquieto", com toda a ambiguidade da frase.
Também admiro que tenham conseguido superar a dificuldade de Fernando Pessoa quando afirma:
"Ser descontente é ser homem."
Tenho uma grande admiração pela quantidade de afirmadores da "tranquilidade universal", da "paz profunda". Mesmo que sejam humildes e respondam quando confrontados:
"Oh, não, não! Procuro-a, afirmo-a, mas não, pobre humano que sou, nunca a alcancei. Quanto muito, momentos, momentos apenas..." e ficam com um olhar vago, longínquo como se olhassem para uma memória de infância ou recordassem um belo pôr-do-sol. E podem ainda acrescentar: "... o que quis dizer é que devíamos tender para essa impassibilidade, para essa tranquilidade de espírito, para essa superioridade de carácter, é só isso."
Admiro-os sinceramente. A facilidade com que pegam na sabedoria de Lao Tsé e na frase de Fernando Pessoa é notável! Nunca escreveram ou escreveriam algo que se assemelhasse a tamanha heresia na "religião dos impassíveis" ou no "rosacrucianismo" que é tão lindo e até têm rosas e tudo para compensar a dor. É espantoso como transformam o símbolo rosa-cruz na coisa mais pirosa de que há memória. Transformam-no em "Pax Profunda" e até levantam a mão ou a levam ao coração. São tão lindos. Todos. É cá um ramalhete! Lao Tsé e Pessoa é que eram uns anormais, está-se mesmo a ver!
"O calmo é o senhor do inquieto", com toda a ambiguidade da frase.
Também admiro que tenham conseguido superar a dificuldade de Fernando Pessoa quando afirma:
"Ser descontente é ser homem."
Tenho uma grande admiração pela quantidade de afirmadores da "tranquilidade universal", da "paz profunda". Mesmo que sejam humildes e respondam quando confrontados:
"Oh, não, não! Procuro-a, afirmo-a, mas não, pobre humano que sou, nunca a alcancei. Quanto muito, momentos, momentos apenas..." e ficam com um olhar vago, longínquo como se olhassem para uma memória de infância ou recordassem um belo pôr-do-sol. E podem ainda acrescentar: "... o que quis dizer é que devíamos tender para essa impassibilidade, para essa tranquilidade de espírito, para essa superioridade de carácter, é só isso."
Admiro-os sinceramente. A facilidade com que pegam na sabedoria de Lao Tsé e na frase de Fernando Pessoa é notável! Nunca escreveram ou escreveriam algo que se assemelhasse a tamanha heresia na "religião dos impassíveis" ou no "rosacrucianismo" que é tão lindo e até têm rosas e tudo para compensar a dor. É espantoso como transformam o símbolo rosa-cruz na coisa mais pirosa de que há memória. Transformam-no em "Pax Profunda" e até levantam a mão ou a levam ao coração. São tão lindos. Todos. É cá um ramalhete! Lao Tsé e Pessoa é que eram uns anormais, está-se mesmo a ver!
Em nenhures
Há pessoas que andam sempre à caça do mistério e, frequentemente, para esse mistério ser considerado mistério tem de vir agarrado ou a um acaso ou a um fenómeno qualquer que não se possa explicar "racionalmente". Isso é considerado um mistério. Também caçam "lições" como se fossem a útlima palavra, a última tendência e ainda a última moda. Normalmente esquecem isso tudo no dia a seguir porque há sempre mais um mistério à espera delas. São pessoas ligadas ao relógio e que tendem a "querer" ser criativas sem o serem de facto ou antes, sem ainda o serem, de facto. Há pessoas que coleccionam recortes de jornais, ou factos insólitos, ou notícias que se relacionem todas com o mesmo tema. Os caçadores de mistérios fazem o mesmo. Sentem-se especiais sempre que um mistério "vai ter com eles". As lições também são "para eles" e é assim que a ideia (que não é uma ideia mas um facto) da Unidade lhes passa ao lado. A Unidade, para o ser, está absolutamente longe de nós, distante de nós, nem sequer quer nada connosco, na verdade. Ela só é encontrada na absoluta independência, dela e nossa e não nas "aprendizagens" sucessivas que se vão anulando umas às outras. A verdade não é um conjunto de factos, tem outro sabor. O mais estranho na iniciação é nem ela querer nada connosco nem nós com ela. E é exactamente por isso que, René Guénon, nos fala da ausência de sistemas e da existência da exclusividade iniciática para cada ser. Quando a "iniciação" aparece muito "incorporada", muito "musculada" como agora se gosta muito de dizer (complexo de ginásio, deve ser), mais suspeito que não o seja. No limite as reuniões de coleccionadores são uma coisa estranha com diálogos deste género:
- Eu tenho este cromo, e tu? Mostra os teus.
E todos mostram os cromos alegremente e dizem que se "ajudam". Ainda estou para perceber como. São todos de colecções diferentes mas vêem todos a mesma colecção quando estão em grupo. É uma espécie de alucinação colectiva. Diz que se "ajudam" muito. Diz que sim. Quando não se "ajudam" guerreiam-se e então dizem que são "polémicas". Isso dá-se quando têm um vislumbre de que estão em colecções diferentes. Depois esquecem-se outra vez e tudo recomeça. Andam para ali nas "ajudas" e nas "guerras". Quem está de fora só vê colecções diferentes e vê que nem se ajudam nem se guerreiam. Andam para ali duma confusão para uma certeza e doutra certa para outra confusão.
Eu tenho um cromo muito giro! Alguém tem igual? Ou para a troca, ou assim? Alguém está a ouvir o que estou a dizer? Às vezes é só isso: alguém está a ouvir o que estou a dizer? Nessas alturas, em que ninguém ouve é que se percebe o quão distante está a "Unidade", e aí sim, achou-se alguma coisa: a colecção diferente no meio de nenhures.
Os pulhas
Sempre que os pulhas vencem é o mundo que fica a perder. Não há volta sentimental a dar. Ter pena dos pulhas é não ter pena do mundo. E há tanto pulha por aí. A base da vida na terra é o espírito. Quando o espírito se começa a ausentar é a pulhice que avança. E se tem avançado? Oh, se tem. Vou dar um exemplo simples: ao nível muito espiritual (é para não nomear pulhas porque hoje todos têm advogados, políticos amigos, bênçãos legais, fantoches pavloff, e lambe botas ao serviço), quanto mais fragilizadas em espírito estão as pessoas, no geral, ruas, bairros, cidades, países, continentes e planetas (quaisquer que sejam) mais as forças de ordem subtil e inferior se instalam. Os sintomas são a falta de capacidade de pensar, a falta de criatividade no sentido arcaico do termo (e não desta anarquia aflitiva e inferior na qual se confunde criatividade com tudo), ausência de poder de decisão fora dos parâmetros impostos, cegueira perante o belo, incapacidades resultantes da perspectiva que se tem do ser humano como ser-máquina a todos os níveis, moral, espiritual, físico etc. Outro sintoma é o de se querer ensinar aos outros como é que se devem comportar na vida. Os pulhas fazem isso. O pulha que é sempre o vencedor, escarnece do que não é pulha e está hoje muito em voga que esse pulha diga em jeito de gozo: "eu tenho talento, o país é que não deixou". Já tenho ouvido esta frase dita com um sorriso de ironia por vários pulhas. Os pulhas são os self-made-man, normalmente mas são tudo menos pessoas isoladas. Os pulhas funcionam em grupo e acabam por constituir o país que "não deixa nem dá condições aos que não são pulhas" e ainda gozam com isso. Portanto, pulhas como o Berardo há muitos e pulhas que os acompanham também, tornou-se foi muito visível porque apareceu na televisão o sorriso que é comum aos pulhas. Ficou tudo muito "chocado"? Não ficou nada. Já se sabe há muito tempo como são as coisas. E o país é que não deixa, de facto. Nunca há um pulha isolado. Mas há seres especiais isolados. Cada vez mais. Sempre que um pulha se ri, é o mundo que perde. Isto não é um facto construído. É uma evidência. E é assim que as forças de ordem subtil e inferior vão ganhando terreno para que a destruição seja total e seja o próprio mundo destruído. Um pulha que é pulha anda nesses meandros, não canta como se "estivesse a ter um filho" mas mente como quem ri. Por norma atacam em grupos mas necessitam de um líder porque são acéfalos e esse líder pode ser visível e ter corpo ou pode ser invisível, não o ter e estar noutro plano (bem podem procurar com uma lupa que não encontram). Já o monte de entulho daquilo a que se chama a "Colecção Berardo" tem corpo e é bem visível. É um monte de merda com valor no mercado. Se venderem aquilo aos acéfalos doutro sítio e com esse dinheiro restaurarem algum património de Portugal, já é um favor que fazem à comunidade de isolados com algum sentido estético "que o país não deixa" porque esses pulhas, por norma, não têm sequer sentido estético. E também fazem um favor ao mundo que está nítidamente a perder. Até em beleza.
segunda-feira, 13 de maio de 2019
Nada
Não se passa nada, o que é bom tendo em conta que, por cada coisa que se passa, não sei quantas confusões surgem a reboque daquelas que magoam e nos incomodam pelas injustiças que representam. Dos impassíveis que conheci, uns procuram disfarçar a agitação interna e, por isso, não contam como impassíveis, outros são gelados como pedras congeladas no Polo Norte e, à primeira oportunidade, declaram guerra ou vingança ou mostram inveja e, por isso, não contam como impassíveis. O não se passar nada livra-nos desses impassíveis impossíveis de aturar, dos problemas e das mentiras com que ofertam cada coisa que se passa.
As raízes arrancadas
Ia a caminho e vi a flor no campo dizimado por escavadoras. Ia comprar um espelho para me ver ao espelho. Em vez disso reparei nessa flor única aparecida nas ruínas das raízes arrancadas das árvores. Já tinha notado que as flores vieram fortes esta Primavera e esta flor da fotografia ainda veio mais forte. Persistente e grande. Esqueci-me do espelho porque voltei para trás para a fotografar. Depois retomei o caminho para comprar o espelho. Também comprei umas calças amarelas. Não sei se por influência da flor. Que gestos tão improváveis logo de manhã. Os obsoletos dizem que isto não é trabalho. Reparar numa flor amarela, ir comprar um espelho e levar comigo umas calças amarelas. Eles são máquinas que só gostam de reuniões onde decidem coisas como se fossem deuses. Nunca chegam a ser deuses nem a reparar nas flores por causa dos horários que lhes disseram para cumprir. Admiro quem pára a meio do trabalho para reparar nestas coisas como as flores, o caminho e os símbolos até porque quem o faz não está a trabalhar. Paira e pára para ver tudo em volta como esta flor que aconteceu por teimosia. O mundo novo acontece assim, por teimosia. O trabalho é para aqueles que não são teimosos, os que não fazem frente às obrigações que criaram para se sentirem grandes. O seu espaço corporal é o mesmo do deserto de raízes arrancadas das árvores. São das fábricas, das reuniões de trabalho, dos horários e das traições. Traem a sua natureza infinita que julgam compensar aos fins de semana quando descontraem em família que ostentam como troféus bem alimentados pelo suor do seu trabalho. O mesmo suor que foi o castigo de terem saído do paraíso e as mesmas dores de parto ostentadas com a mesma origem. Depois julgam-se deuses e maiores porque trabalham. Achincalham quem não trabalha e vai ver as flores. Depois compram um livro de poesia e dizem a todas as pessoas que que conhecem os poetas e as flores do poema. Até trabalham ao fim de semana para dizer que conhecem o poeta e as flores do poema. Se o tivessem conhecido achincalhavam-no facilmente e enxotá-lo-iam como um ser menor. São os literais da palavra bíblica e dizem-se ser católicos e superiores aos herdeiros de Lutero. São iguais. Não hesitam em desfazer todas as flores em reuniões de trabalho e, aos fins de semana, para a família, para os conhecidos e para a fotografia são ecologistas e têm uma grande admiração por poetas, pela sua sensibilidade. Durante a semana são umas bestas de carga, de abuso e de raiva. Mas Domingo é o dia do Senhor. Só esse dia. A flor que vi nasceu na Segunda-feira. Ontem não estava lá. Nasceu no dia do Sol. Podia ter nascido noutro dia qualquer mas nasceu no primeiro dia de trabalho a seguir ao fim de semana quando os que querem ser deuses pelo trabalho adquirem a santidade fotogénica.
sábado, 11 de maio de 2019
Ai, as plumas!
Na infância fui a alguns espectáculos. Bem, a bastantes, desde a ópera, ao teatro, a concertos de música clássica, bailado, coliseus com nomes modernos, até recintos em estádios e espectáculos de travestis. Mal sabia eu que tudo teria de ser espectacular nos dias de hoje. Se soubesse tinha pedido à minha mãe para não me levar a tantos. Ui! O que as pessoas necessitam de distração é de bradar aos céus! Precisam de alguém que os entretenha e isto vai dos mais rasteirinhos e com rasteiras de futebol à mais elevada intelectualidade. São necessárias constantes sessões. Que somos sem uma sessão? Nada.
Apareceram-me agora na sala quando estava a escrever estas palavras (neste exacto momento) a dizer que estará na capa do Expresso de amanhã a notícia de que em Portugal "nasce" uma igreja por mês. Eu não digo? E quando se confunde espectáculo com sabedoria o prato azedo ainda é maior! Até os curiosos morrem de tédio! Maior requinte não há: ser curioso e morrer de tédio e necessitar de uma sessão de esclarecimento porque se morre de tédio a procurar. Acordem lá um bocadinho. Há alguma coisa que substitua uma conversa? Não! E nessa conversa têm de estar todos a ouvir e a ver (sobretudo a ver)? Não. E quando estão, estão noutro plano e isso é só para ouvintes e conversadores do espaço etéreo, não é propriamente um espectáculo! Só se fôr para os anjos, para os seres todos que povoam o espaço sideral e para Deus que como diz o provérbio judaico criou o homem para que este lhe contasse histórias. Não, não foi por tédio, deve ter sido por amizade, por querer uma conversa na amizade. Mas continuem a gostar de espectáculos e não se esqueçam das plumas.
sexta-feira, 10 de maio de 2019
As sombras e a luz
A sombra que este espelho projecta é a de templos e deuses maiores do que os templos. O universo da imaginação vai ainda mais longe do que o rigor. Hoje a Catarina, menina, a meio da explicação de Ciências e de algo que estávamos a ver extremamente rigoroso sobre a biodiversidade, levanta a cabeça, olha seriamente para mim e faz uma pergunta que sabe-se lá donde veio:
- Fernando Pessoa continua vivo?
Abri os olhos apanhada de surpresa e respondi-lhe:
- Muito vivo, obrigada.
Ela sorriu e continuámos a olhar para o livro.
As sombras que são projectadas a partir daquilo que aparentemente não tem relação são verdadeiramente notáveis.
A raíz e a águia
Hoje fiquei a saber que há orgias no Japão feitas com... robôs. Também fiquei a saber dos vídeos colocados no YouTube das festas no Porto com jovens triunfantes, drogados e despidos porque sim. Também sei que as nossas escolas estão cheias de droga. Que na Índia ainda se mata: foi o caso de dois jovens apaixonados que se casaram e foram mortos porque não podiam casar por serem de castas diferentes. Também sei que as escolas públicas em Inglaterra estão cheias de delinquentes e que as prisões estão cheias de jovens em idade escolar. Umas coisas já sabia, outras fiquei a saber. Há coisas que de nada serve saber delas. Fica-se a saber, fica-se triste e fica-se impotente. O que se pode fazer é a "especialização". Ok! Vou especializar-me em dar ajuda psicológica (que bem precisam) a esta ou aquela faceta da sociedade altamente problemática. Há especialistas em tudo. Gente que vai lutando em todas as frentes. O mundo não está melhor por isso. Antes pelo contrário. A queda acentua-se. Os problemas psicológicos sérios que afectam a humanidade não são algo que possa ser resolvido com um psicólogo para cada pessoa. Metade da humanidade louca a outra metade e tentar curar a loucura. Nada é resolvido com percentagens ou rácios de terapeutas para os abalados psicologicamente. A maioria das populações estão abaladas psicologicamente. Não há psiquiatras que cheguem. De maneira que a miséria e o tratamento que se tem dado a ela estendeu-se ao domínio psicológico. Se uns caridosos conseguiam com esforço compensar alguma miséria nunca foram suficientes para acabar com ela. O mesmo se passa com a miséria psicológica. Nunca serão suficientes e será tendencialmente maior. As razões são antropológicas. A antropologia convida sempre ir à raíz das coisas. A raíz está muito distante e é muito profunda. Cortar o mal pela raiz implica demasiadas coisas. Mais do que aquelas que conseguimos como simples humanos suportar. O nosso "lugar previligiado" como humanos é também limitado. É as duas coisas em simultâneo. Sabemos que, por exemplo, os nossos jovens têm hoje muito mais conforto e mais acesso a informação e a cultura do que alguma vez os mesmos jovens dos anos anteriores ao 25 de Abril tiveram. Uma grande conquista para se poderem drogar e beber à vontade e chegarem a não lerem um único livro ou a escrever um texto com nexo. De maneira que a raíz é mesmo antropológica. Platão quis resolver o problema limitando o número de habitantes da "cidade ideal". Eu não faço a mínima ideia de como resolver isto, de maneira que me limito a ajudar os que me estão próximos. Apenas isso. São meia dúzia. Não me obrigam a "especialização" nenhuma em grupos problemáticos e a ficar a pensar que, com essa especialização contribuí para um mundo um pouco melhor. Nem faço sequer ideia se contribuo para um "mundo melhor". Deixei de me preocupar com a salvação do mundo. Deixei de me preocupar em salvar o que seja. Não sou assim tão importante nem uma especialização me levaria a ter essa sensação. Não "salvo" nada. Nem a mim própria. Simplesmente olho pelos que me estão mais próximos. Cada pedaço de jardim é um jardim. E cada jardim não é nosso em propriedade. É um pedaço que está para ali e pelo qual se olha. Alguns conseguem ir um pouco mais longe: têm um pedaço de jardim pelo qual olham e, "para o qual olham". Este "para o qual olham" é a raíz distante. Ver "através de" qualquer coisa não é o mesmo que ver de frente. Para isso é preciso ser águia. Só ela vê o sol de frente. A raíz está distante. Esse é o verdadeiro problema. O restantes são consequências. Guardo a velha esperança de um dia poder "olhar para o jardim" e assim estar na e com a raíz das coisas. Aí sim, talvez se possa fazer qualquer coisa. Antes disso apenas se ajuda um pouco. Às vezes ajudamos a piorar, outras a melhorar porque a sabedoria é algo de muito difícil. Não vale a pena tentar enganarmo-nos quanto a isso. Quanto ao resto, aquilo que entendemos, por momentos, ser uma ajuda, podemos tentar não nos enganar. Mas nada nos garante que não nos enganamos. É difícil. A águia lá saberá. Só ela vê e, talvez um dia, pouse dentro de nós, abra as suas asas e voe, tudo em uníssono.
quinta-feira, 9 de maio de 2019
Por outras palavras
No último texto "As Religiões são paixões", não digo nada que muitos já não o tivessem dito. Mal de mim se quisesse inovar nestes assuntos e a única originalidade possível é a da origem. No entanto, as cartas, sendo as mesmas podem ser baralhadas o que quer dizer que uns andarão, na interpretação, mais baralhados que outros. Podia desenvolver um espólio escrito sobre as agruras pelas quais este mundo passa, tal como está, mas seriam longas cartas de lamentos, coisa que aqui e ali vou fazendo por ser inevitável. Hoje estava a percorrer os canais de televisão e vi qualquer coisa sobre armas nucleares e o Irão. O mais chocante é a leveza com que se fala de tudo isto. Tive uns críticos "iluminados" que acharam por bem dizer-me, ou mandar dizer-me, tal a cobardia, que "havia determinadas coisas que eu não deveria dizer", escrever, entenda-se. Evidentemente que sem pedidos de desculpas e explicações não falo a essa gente. Parece ser legítimo, no entanto, falar-se nos telejornais de armas de destruição em grande escala com a mesma leveza com que se fala da mais recente exposição de Joana Vasconcelos que é, de facto, um tema leve até porque a artista faz coisas muito leves e etéreas que nada acrescentam ao mundo... Mas as armas nucleares não são leves e tudo retiram ao mundo. As coisas devem ser faladas (ao contrário daquilo que os iluminados dizem), depende é do peso que se dá àquilo de que se fala. A televisão conduz-nos à distância da guerra. O Irão fica longe. As armas ficam longe. Fica tudo longínquamente fechado nas placas achatadas que são hoje as televisões. As religiões são paixões e levam a actos tresloucados. Outra paixão da moda é o dinheiro. Não falo do dinheiro normal. Falo daquele dinheiro que leva as pessoas a quererem sanitas em ouro, jactos, ilhas, praias, países até. Esse tipo de paixões tresloucadas e que unidas às religiões só têm contribuído para a ilusão de "poder". Até um determinado momento "Deus quer isto e aquilo, ou Deus quer que eu faça isto ou aquilo", dizem os tresloucados. Se calhar a serem muito ricos então acrescentam que "Deus ou eu", já não se percebe bem a diferença, "quer que eu tenha isto ou aquilo" e tudo desagua no oceano do "poder" onde, sem perceberem nada de navegação pelas estrelas (porque nunca olharam, de facto, o céu, embora achem que sim), rapidamente se afundam e se dão conta de que o tal poder é o da força da natureza que não tem a mínima paciência para a ignorância desse tipo de criaturas. As armas nucleares só servem para destruir e por várias gerações. Não servem para mais nada. Não são elas que nos vão dar lições sobre uma ciência que, à partida, já conhecemos e a Lili Caneças também: "estar vivo é o contrário de estar morto". O além, por seu lado, não fica numa placa quadrada chamada televisão. Fica além e, quando fica mesmo perto, digo mesmo perto, as coisas mudam de figura. O além não é uma auto-sugestão embora as religiões insistam nos castigos e nas recompensas elas nada sabem dos castigos e das recompensas. Dizem umas coisas que "acham" fazer sentido. É assim que encontramos o fogo do Inferno para os danados e as recompensas para os mártires. Dizem essas coisas. Depois os crentes também dizem porque "ouviram dizer". É o chamado "Espírito Santo de orelha". O mesmo, mesmo perto e que pode estar mesmo, mesmo além, é outra coisa. Desse ninguém pode falar porque não há palavras. Não há mesmo palavras. Não são "visões", não são "intuições" que os místicos mais elevados possam ter e possam tentar descrever. É mais do que isso. É mesmo, mesmo perto. E quando não está mesmo mesmo perto, está mesmo mesmo distante. Julgam-se os homens radicais... Extremistas... O "mesmo" deles é coisa nenhuma face a outros "mesmos" com que tanto gostam de encher a boca e debitar postas de pescada para ver se "ganham" uma qualquer recompensa, seja na terra ou depois de lá terem estado. O mesmo, é mesmo e não é esta fantochada de jogos de interesses. O único comércio admissível é o "pequeno comércio", todos os outros, religiosos, económicos ou de jogos de poder estão condenados a, mais tarde ou mais cedo, terem um encontro com aquilo que é Mesmo. Ou por presença ou por distância. E nessa altura, outra linguagem, completamente diferente, é posta a circular. A circular, não a comercializar.
As religiões são paixões
Religiões são paixões, a espiritualidade está no sangue e daí que se possa encontrar inúmeros crentes sem ponta de espiritualidade e pessoas espirituais sem religião. O que está no sangue nunca é uma religião, se a religião não nos for apresentada nunca haverá paixão por ela. A espiritualidade é involuntária. Certas pessoas têm uma pré-dispoição para ela. Nascem assim. Podem vir a apaixonar-se por uma religião, como se podem vir a apaixonar por uma pessoa. A espiritualidade não é uma paixão. É uma comunhão íntima com a verdade que pode ser descoberta ou não ao longo da vida. Há pessoas com essa pré-disposição que nunca chegam a saber que a têm. Outras descobrem-na com a ajuda de uma religião, que é apenas uma ajuda, não a espiritualidade em si. Outras, ainda, nem passam pela religião, vão direitas ao assunto. Estas últimas, nos tempos de hoje são cravadas pelos espinhos da incompreensão. O multiculturalismo que é a verdadeira arma da globalização obriga ao rótulo. Sem rótulos não há multiculturalismo. A diferença intrínseca à espiritualidade é insustentável para a globalização. A globalização não admite o sangue, porque o sangue é a vida e a globalização é uma força de morte. Não admite por isso a espiritualidade que vem no sangue e nos vários planos que o sangue possui desde o mais material ao mais subtil. A globalização tende a reduzir tudo ao mesmo plano, a um só plano. Na espiritualidade há irmãos de sangue. Abosultamente invisíveis aos olhos daqueles que não são irmãos e a qualquer ordem ou religião visível. A música que ouvem é inaudível. Cada fronte sua é única, não sobem a mesma montanha porque cada um é uma montanha, respiram, porém, o mesmo ar.
terça-feira, 7 de maio de 2019
... a paz...
Belas, certas e sábias são as flores. Se houvesse religião mais certa e profunda seria a das flores. Não há nada mais abstracto do que uma flor. Nada que se eleve tão bem como elas, ao alcance do sol e dos pássaros, do som, da música, das palavras e dos dons, das estrelas e do coração, da metamorfose e do nascimento, da escolha e do destino, da vontade e da aceitação, das alturas e das profundidades, das histórias e das canções, dos seres e dos não seres... Por isso me cansei de guerras, o espinho de uma rosa deveria ser a única guerra admissível, a única coisa que nos lembraria da dor e da falta de atenção. Que me interessam as terras santas quando há jardins? Ou a moral dos patriarcados quando a rosa se aproxima de mim? Ou sequer as virtudes dos grandes homens se não sabem pegar numa rosa?
Há tantos guerreiros por aí que guerrearam durante toda a vida por coisa nenhuma e que, no final dessa vida e dessa guerra por coisa nenhuma, vem um dia em que olham o jardim e percebem que estiveram na guerra errada. E que a guerra é outra, a da conquista pelo encanto, pelo espanto perdido, pela beleza até aí adormecida, pelas palavras caladas, pelas cores vibrantes da alma, pelas chamas que se acedem em pirilampos súbitos. Das coisas mais lindas que me aconteceram foi um caminho nocturno pelo jardim, escuro como breu e a luz de tantos pirilampos que me rodeavam fez-me sentir que caminhava pelo cosmos. Quero lá saber de religiões. As religiões são para os homens sem poesia e sem olhos na cara e sem ouvidos para a música, para os que não sabem que tudo à nossa volta vibra e é o céu. Para os que não sabem dizer: penso, logo existe. São para os que nunca descobriram nenhum jardim e dizem "paz" recorrentemente como se fossem travestis da guerra. No jardim nunca se diz paz. Diz-se guerra frequentemente mas só porque se está em paz com a poesia e já se pode dizer essa palavra sem que ela tenha o mesmo valor da paz. O mal dos homens que dizem paz é darem a essa ideia exactamente o mesmo valor da guerra, como contraponto. Isso acontece porque nem conhecem a paz, nem estão em paz. As crianças brincam às guerras no jardim porque estão em paz, os adultos brincam à paz nos desertos porque estão em guerra.
segunda-feira, 6 de maio de 2019
Vieram tão fortes as flores
Há revoadas de céu
No sorriso de quem indica o caminho
Há sempre essa presença
No meu mais íntimo amor e mais antigo
Ter o sol por baptismo
As nuvens por companhia
As estrelas como berço
A alegria como destino
Há aves que voam como
A bússola do coração
Há flores repentinas a brotar
Sinto-as por todo o lado
E clamam por mim para que assim as sinta
E vieram fortes nesta Primavera
Há revoadas de pétalas amarelas
Daquelas rosas que abrem livres
Atravessam os portões levadas pelo vento
E chamam a atenção para outra cor
Num recanto que sustenta outro jardim...
Há beijos soltos invisíveis
Nas gentes que passam
Um perfume junto ao mar
A herança de uma montanha
Todo o horizonte a despertar
Vieram tão fortes as flores
Tão antigas e do futuro
Tão unidas à nossa raíz
Tão portuguesas por serem mistério
Tão subtis e tão intensas
Pétalas de veludo pesado
E suaves como um longínquo passado
(Cynthia Guimarães Taveira)
sexta-feira, 3 de maio de 2019
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